Os acordos de esquerda
podem revelar a sua insuficiência já na próxima semana
Algumas das medidas mais importantes de consolidação
orçamental foram deixadas fora do orçamento para que uma eventual declaração de
inconstitucionalidade não arrastasse consigo tudo o resto. Elas caducarão a 31
de Dezembro deste ano, não se lhe aplicando o princípio dos duodécimos, que é
usado quando no início de um determinado ano não existe ainda orçamento
aprovado e em que vigora o do ano anterior, mês a mês.
Entre aquelas medidas conta-se a sobretaxa do IRS e o corte
nos vencimentos dos funcionários públicos.
Os deputados do PàF já apresentaram uma proposta no
parlamento de uma reposição mitigada daquelas medidas, agendada para quinta-feira,
26 de Novembro, em que se prevê a eliminação em três anos da sobretaxa do IRS e
a redução do corte nos vencimentos dos funcionários públicos.
O PS tem plena consciência da necessidade da aprovação de
medidas semelhantes, embora defenda uma mais rápida supressão daquelas medidas
extraordinárias de consolidação orçamental, também agendadas para o mesmo dia.
Dado que existe esta divergência, o mais provável é que a
proposta da PàF seja chumbada pela esquerda, nesta matéria que poderá ser
encarada como o prólogo do orçamento para 2016.
O que já é mais incerto é o que o resto da esquerda fará,
dado os seus acordos conterem importantes omissões em matéria orçamental. É
possível que alguns partidos, em particular o PCP, não aceitem aprovar as
propostas do PS.
Alguns apelos de António Costa para que a direita se acalme
parecem sugerir que espera que seja ela a permitir a aprovação destas medidas
de restrição orçamental, que o resto da esquerda, mesmo em versão aliviada, poderá
reprovar. Ora o mais provável, por todas as razões, é que o PàF vote contra as
proposta do PS, quanto mais não seja para expor a incapacidade da esquerda em
se unir em torno do cumprimento dos nossos compromissos orçamentais. O fracasso
desta votação pode bem ditar o fim da ideia de um governo de maioria de
esquerda e, com isso, também o fim de António Costa como secretário-geral do
PS.
É provável que se iniciem movimentações para um congresso
extraordinário dos socialistas e que perca peso neste partido a tentação de
continuar a política de uma coligação negativa de esquerda. Aliás, é também
muito provável que regressem as lutas fratricidas à esquerda, sob os mais
diversos pretextos, entre os quais deverá avultar o que deverá opor a UGT e a
CGTP, em que aquela se livra da ameaça de ser esmagada pela central sindical
comunista.
Em termos políticos, esta derrota da esquerda poderá criar
espaço a que o PR nomeie um novo primeiro-ministro, que até poderá ser Passos
Coelho, que já não deverá enfrentar uma coligação negativa na AR e até poderá
aspirar a atingir a maioria absoluta, se conseguir negociar a participação do
BE no novo executivo, como tenho vindo a sugerir.
Em termos orçamentais, o novo governo poderá propor este
conjunto de medidas, numa versão a meio caminho entre as propostas iniciais do
PàF e do PS. Para que possam entrar em vigor, bastaria que o PS se abstivesse,
o que parece legítimo de esperar. Repare-se que, se as coisas se passarem como
estou a descrever (uma mera, mas provável conjectura), então o que se revelaria
como uma pura “perda de tempo” seria o chumbo do executivo de maioria relativa
do PàF, agravando a imagem de irresponsabilidade que recairia sobre António
Costa, mas também sobre o PS.
[Publicado no jornal “i”]
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