O programa económico
revisto do PS deverá esbarrar rapidamente em Bruxelas
Antes de comentar o programa económico revisto do PS, convém
sumariar as restrições que impendem sobre o próximo governo, qualquer que ele
seja. Em primeiro lugar, temos que referir as circunstâncias internas, entre as
quais avulta uma dívida pública de cerca de 130% do PIB e uma quase estagnação
económica que dura há 15 anos. Também se pode acrescentar uma extrema
benevolência dos mercados, muito ajudada pelo programa de expansão monetária do
BCE, mas que está sujeito ao risco de contágio da crise grega, que não tem
acontecido ultimamente, mas que pode voltar sem pré-aviso.
Isto significa, por um lado, que um deslize orçamental nos
pode custar muito caro e, por outro, que esperar que a economia cresça com base
em estímulos orçamentais, uma receita que não funciona no nosso país há década
e meia, é extremamente ariscado.
Em relação às circunstâncias externas, a zona do euro
continua com uma grande dificuldade em recuperar dos níveis de rendimento
anteriores à crise de 2008, para além de continuar a haver uma enorme pressão
(mesmo excessiva) pró-austeridade, como se viu pela capitulação total da
Grécia, pelo menos à superfície. Ou seja, não só não temos as coisas
facilitadas, com a excepção dos benefícios da depreciação do euro, como
continuaremos a estar sujeitos a uma apertada vigilância, não só dos mercados,
mas também dos nossos parceiros comunitários.
A primeira referência genérica ao programa do PS, é que,
dado que houve uma revisão de várias das principais variáveis, era preferível
que tivesse sido apresentadas todas as variáveis que constavam do cenário
macroeconómico inicial. As lacunas principais dizem respeito à inflação e às contas
externas, onde teríamos muita curiosidade de verificar se as previsões
altamente improváveis de que ambas melhorariam se mantinham.
Genericamente, as novas previsões apontam para uma menor
consolidação orçamental (défice público de 1,4% do PIB em 2019, contra 1%
inicialmente), da qual resultaria um maior crescimento económico (cerca de mais
três décimas no período) e uma menor taxa de desemprego (menos duas décimas em
2019). Tem que se reconhecer que esta previsão segue a lógica do exercício
anterior em que um estímulo orçamental é muito eficaz a fazer crescer a
economia, embora esteja em substancial contradição com a nossa experiência
desde o início do século.
Mas estas previsões deverão conhecer um banho de realidade
logo na apresentação da proposta de orçamento para 2016, onde é quase certo que
um défice de 3,0% do PIB, como previsto pelo PS, não será aceite pelos
parceiros europeus, não só porque esse valor já deveria ter sido alcançado este
ano, como corresponderia ao segundo ano consecutivo em que não haveria qualquer
esforço de consolidação em termos do défice estrutural (corrigido do ciclo
económico). Deve-se recordar que Portugal ainda não atingiu a meta de 0,5% de
défice estrutural como previsto no Tratado Orçamental, cuja leitura
“inteligente” o PS tanto tem pedido, mas é praticamente impossível que António
Costa consiga o que Tsipras não obteve, até porque o nosso país está muito
longe da crise humanitária que afecta a Grécia.
Ou seja, admitindo que o PS ganha as eleições, o seu
programa deverá ser chumbado em Bruxelas logo nos primeiros meses, pelo que
muitas das previsões ficarão logo desactualizadas.
PS. Assinalou-se ontem exactamente 600 anos da tomada de
Ceuta, início simbólico dos Descobrimentos, a maior contribuição portuguesa
para a história e civilização mundiais. Para além de alguns eventos locais, não
há comemorações oficiais nem nenhum dos partidos políticos se referiu ao tema.
Não sei se isto é fruto de uma ignorância indesculpável ou do politicamente
correcto, mas esta lacuna é profundamente lamentável. O mais irónico é que, se
não tivesse havido os Descobrimentos, também não haveria António Costa.
[Publicado no jornal “i”]
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