O FMI avisa que o
governo ficou aquém da troika e que o
próximo governo não deve reverter as reformas alcançadas
O FMI acaba de publicar a sua última avaliação sobre
Portugal antes das eleições legislativas, num tom razoavelmente crítico.
Em termos de crescimento económico, há algum optimismo sobre
o curto prazo, auxiliado pelos preços baixos das matérias-primas (leia-se
petróleo), baixas taxas de juro e depreciação do euro, beneficiando também da
ausência de contágio das perturbações na Grécia. No entanto, o FMI estima que
aqueles efeitos se desvaneçam nos próximos anos.
Não é possível identificar até que ponto esta instituição
teme que a situação grega venha a afectar o crescimento em Portugal, mas
deve-se salientar que ela está mais pessimista não só do que o governo
português, mas também do que o Banco de Portugal e do que a Comissão Europeia. Em
particular, no caso do desemprego, o FMI estima que ele apenas caia para 12,5%
em 2017, quando neste momento já desceu para 11,9%.
Em todo o caso, deve salientar-se que tanto o FMI como a
Comissão Europeia insistem na necessidade de efectuar mais reformas amigas do
crescimento e do emprego, para que Portugal possa retomar a convergência com a
UE, que ainda não é evidente.
Acrescento eu que é extraordinário que o facto de o nosso
país estar em divergência com a UE há década e meia, apesar dos montantes tão
absurdamente elevados quanto mal gastos de fundos destinados a auxiliar a
convergência, ainda não provocou nenhum sobressalto nacional. É chocante como a
conversa parece manter-se ao nível de mais ou menos austeridade, ou seja mais
ou menos despesa pública, quando o nosso problema de crescimento anémico é
anterior à troika em uma década.
Esta falta de consciência da necessidade de reformas
profundas é transversal a todos os partidos políticos (veja-se como a coligação
arrastou os pés em relação à reforma do Estado), aos sindicatos e às associações
patronais, bem como às universidades e à população em geral. Parece que todos
desejam que passe este “mau momento” da troika,
ainda hoje demonizada, para voltarmos ao passado, esquecendo por completo que o
“modelo” de desenvolvimento da década anterior era de um endividamento
galopante que produziu um crescimento que não podia ser mais raquítico. Mesmo
que tivesse trazido uma expansão económica significativa, não o poderíamos
repetir porque se baseava num endividamento insustentável.
É chocante como ainda hoje não existe uma única instituição
no país, mesmo que minoritária, que assuma a necessidade de reformas profundas,
que nos permitam voltar a convergir de forma clara com a UE. Sem uma voz
nacional clara e convincente, todas as reformas propostas pela troika, pela OCDE ou por qualquer outra
instituição externa, começarão a ser sabotadas pelos próprios governos, sendo
posteriormente torpedeadas por sindicatos e todo o tipo de corporações. Deve
acrescentar-se que na previsível mudança de ciclo político que se avizinha, o
ímpeto reformista deve esmorecer duplamente, ainda que o actual governo esteja
muito longe de se poder considerar um exemplo. Por um lado, porque a troika já não tem tanto poder de pressão
como quando podia ameaçar com o adiamento do cheque; por outro, porque o PS é o
partido dos interesses instalados, sobretudo no sector público.
Voltando ao FMI, as preocupações em torno da Grécia levam a
recomendar a manutenção de liquidez elevada, ou seja manter os “cofres cheios”,
na expressão equívoca da ministra.
Em termos de contas públicas, estima-se que haja um
adiamento por mais um ano da situação de défices excessivos e há críticas sobre
a falta de detalhe com que o actual governo tenciona cumprir as exigentes metas
orçamentais dos próximos anos. Por isso, as promessas quer do actual executivo
quer do PS devem ser encaradas com o maior dos cepticismos, porque nem a
economia nem as contas públicas deverão permitir grandes voos.
[Publicado no jornal “i”]
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