Os calcanhares de
Aquiles do programa do PS são a economia e o orçamento
O PS divulgou o seu projecto de programa de governo, que
ainda poderá ser alvo de algumas alterações, mas cujo essencial se deverá
manter. Esta proposta não inclui os capítulos II e III, que versam sobre a
economia, que foram desenvolvidos no trabalho desenvolvido pela equipa liderada
por Mário Centeno, presumindo-se que muito dele será preservado.
Em relação ao cenário macroeconómico, é necessário repetir
que ele é excessivamente optimista, quer em termos de crescimento do PIB, quer
de redução do desemprego. Para além disso, padece de um erro simétrico ao da
“austeridade expansionista”. Enquanto os defensores desta fantasia nos tentavam
convencer de que a austeridade iria gerar crescimento económico, os economistas
do PS querem-nos tentar convencer das virtudes de um “despesismo gastador”, em
que mais despesa pública produz um verdadeiro milagre: o da redução do défice
orçamental.
Na verdade, o capítulo IV do programa recém divulgado,
centrado no Estado, está repleto de ideias de mais despesa pública, o que é
sempre o mais fácil e tentador, mesmo se há uma referência uma pouco vaga à
melhoria da qualidade da despesa pública, sem referência a medidas concretas
(pp. 9-10), ao invés do que acontece na generalidade das secções do documento.
Neste capítulo há uma ideia um pouco estranha: “A
dinamização de mecanismos de auscultação permanente dos Movimentos Sociais e do
Cidadão, através dos quais o Parlamento e o Governo os possam contactar e
auscultar com regularidade” (p. 5). Mas como é que se avalia a legitimidade e a
representatividade destes “Movimentos”? Se isto é um reconhecimento implícito
de que os partidos políticos estão a falhar a sua missão, a resposta coerente
seria acabar com o monopólio dos partidos e não dar palco a auto-intitulados
movimentos de “cidadãos”.
Em contrapartida, uma das ideias que mais se saúda é o
combate à legiferação desenfreada, em vigor há muitas décadas. Pode-se dizer
que há algumas ideias de modernidade no documento, mas que soçobram nas áreas
económicas e orçamentais, com a notável excepção de fazer depender o
investimento público de uma maioria de 2/3 dos deputados.
O regresso ao regime das 35 horas semanais (p. 29) é um dos
problemas. Estou convencido de que se colocarem aos funcionários públicos a
escolha entre aumentos salariais ou redução de horário, a esmagadora maioria
escolherá a primeira. Das duas uma, ou o PS está a oferecer o contrário do que
a maioria dos funcionários quer, ou está a propor dar-lhes as duas coisas, o
que é pura demagogia.
Outro grave problema são as promessas com as pensões,
pretendendo-se “Garantir que não serão alteradas as regras de cálculo das prestações
já atribuídas a título definitivo” (p. 113). Com o aumento da esperança de
vida, há pensionistas que o serão durante várias décadas e pura e simplesmente
não é possível garantir que as condições económicas e orçamentais vão permitir
manter as pensões inalteradas durante um período tão longo e incerto.
O PS pretende criar mais impostos para manter as actuais
pensões intactas, sobrecarregando ainda mais a economia, sabendo que as
reformas dos actuais trabalhadores serão muito inferiores às dos actuais pensionistas.
Esta promessa é não só injusta, como impossível de cumprir.
Por outro lado, o PS volta aos grandes negócios do Estado,
quer nas energias renováveis, quer na área digital, através do Simplex. Este
partido tem toda a razão em defender a recuperação de capacidades jurídicas na
administração pública, mas o mesmo se deveria passar na área da informática e
as soluções do Simplex não deveriam ser compradas a empresas, mas desenvolvidas
dentro do Estado.
Para finalizar, não posso deixar de salientar a insinuação
de António Costa de que as eleições foram adiadas pelo Presidente da República,
quando a lei eleitoral é muito clara ao definir a sua data entre o “dia 14 de
Setembro e o dia 14 de Outubro” (artigo 19º, nº2). Um dos cartazes de campanha
diz: “Trabalhar com rigor para as pessoas”. “Rigor”?
[Publicado no jornal “i”]
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