segunda-feira, 29 de junho de 2015

Casa comum

A segunda encíclica do papa Francisco, Sobre o cuidado da casa comum, debruça-se sobre as questões ambientais, retomando preocupações da igreja católica que remontam, pelo menos, a 1971.

Esta preocupação baseia-se no respeito por toda a natureza, que é obra de Deus, pelo que desrespeitar esta é também uma forma de faltar ao respeito ao Criador.

Um dos aspectos mais interessantes deste texto é a abrangência dos seus destinatários, visível inicialmente, quando afirma que o “urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral” (§13). Este caracter é também reforçado pelas duas orações finais que o papa propõe, a primeira para todos e a segunda para os cristãos (§246).

Outro aspecto é o reconhecimento de que não estamos perante um mero problema técnico, já que “o imenso crescimento tecnológico não foi acompanhado por um desenvolvimento do ser humano quanto à responsabilidade, aos valores, à consciência” (§105) e hoje vemos sintomas “como a degradação ambiental, a ansiedade, a perda do sentido da vida e da convivência social” (§110). O papa também considera que “quando a técnica ignora os grandes princípios éticos, acaba por considerar legítima qualquer prática” (§136).

Significativamente, considera que muito “discurso” do crescimento sustentável não passa de “uma série de acções de publicidade e imagem” (§194).

Outro aspecto saliente é a ligação entre os problemas ambientais e a pobreza, pedindo-nos “para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres (§49).

No último capítulo, sobre educação e espiritualidade ecológicas, pretende que pensemos não apenas nos “terríveis fenómenos climáticos (…) mas também nas catástrofes resultantes de crises sociais” (§204). Propõe-nos um mundo com menos consumo, “encontrando satisfação nos encontros fraternos, no serviço, na frutificação dos próprios carismas, na música e na arte, no contacto com a natureza, na oração (§223).

Passando agora para um comentário mais pessoal, a igreja católica tem liderado um movimento de ecumenismo e o papa Francisco parece estar num boa posição para reforçar isto, o que poderá dar força e consequência internacional a este documento.

Até há pouco, as duas maiores economias do mundo, os EUA e a China, eram também as mais poluentes, as mais depredatórias do meio ambiente e as mais resistentes a tentativas de refrear esta atitude. Muito recentemente, a China, confrontada com graves crises de poluição, decretou um programa maciço de investimento em energia renovável. Esta encíclica, pelo impacto que possa vir a ter sobre as muito influentes igrejas americanas, pode finalmente converter este país a proteger a nossa “casa comum”. É aliás, infeliz constatar que os EUA, que se consideram “o” líder mundial, nesta matéria se comportem como o mais atrasado dos seguidores.

[Publicado no Diário Económico]

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