O governo grego
apresentou finalmente uma proposta concreta sobre a sua dívida, mas as
negociações deverão ser muito duras
O governo grego está a revelar-se mais perigoso do que se
imaginava, tendo jogado todas as cartadas. Em primeiro lugar, aproximou-se da
beligerante Rússia de Putin, como forma de salientar a sua importância
geoestratégica e de obrigar os EUA a envolverem-se naquilo que tinha sido até
agora uma questão “interna” europeia. Se é verdade que a Alemanha é o líder
incontestado da zona do euro, a sua importância relativa é muito menor no
contexto mundial, em particular quando comparada com a maior potência mundial.
O presidente Obama já pressionou publicamente os líderes
europeus a encontrarem uma solução e é de admitir que, à porta fechada, esteja
a ser colocada pressão para a UE evitar a saída da Grécia do euro, um evento
duma enorme gravidade geoestratégica e económica, com capacidade de fazer a
falência do Lehman Brothers em 2008 parecer uma ligeira contrariedade.
O novo executivo helénico também usou o trunfo das
reparações de guerra, que entretanto saiu do espaço público, mas que poderá
estar a ser usado em privado ou em preparação para voltar à ribalta.
A posição negocial do Syriza tem sido muito intransigente,
recusando reformas estruturais, ainda que estejam cada vez mais no limite da
capacidade de resistir. Aliás, toda a actual incerteza está a paralisar a
economia grega e a ter graves efeitos nas contas públicas, reduzindo a margem
de manobra do governo. Apesar disso, não parecem dispostos a ceder, por estarem
conscientes de tanta coisa estar dependente da sua permanência no euro.
Do outro lado da barricada, a posição mais rígida e difícil
é a do FMI, que tem responsabilidade perante os seus accionistas, muito
descontentes com o excesso de apoio que tem sido dado a vários países europeus
que, no contexto mundial, são dos mais ricos. A decisão grega de adiar um
pagamento ao FMI até ao final do mês poderá parecer chocante, mas foi aceite
pelo Fundo.
Segue-se a posição do BCE, que poderia ser forçado a cortar
o financiamento à banca grega, caso se dê a interrupção de pagamentos do Estado
helénico. O BCE deverá tentar tudo para não ser uma acção “técnica” sua a
desencadear a saída da Grécia do euro, mas há limites estatutários à sua actuação.
Por isso, a última proposta grega de restruturação da dívida
envolve um perdão significativo da dívida, mas também a substituição das
dívidas ao FMI e BCE por dívida ao Mecanismo Europeu de Estabilização
Financeira. A ideia é diminuir os custos com os juros e conseguir retirar
pressão nos próximos anos de qualquer pagamento do capital dos empréstimos,
eliminando este sufoco sucessivo que tem havido com a aproximação das datas de
amortização dos vários créditos concedidos a este Estado.
Apesar de tudo, esta proposta merece ser discutida. De
acordo com os termos indicados, a Grécia não receberia nenhum euro mais de
empréstimo, mas é evidente que os credores europeus ficariam, directa ou
indirectamente, mais sobrecarregados, pelo que não estarão dispostos a aceitar
as condições sugeridas sem impor nada.
Exagerando um pouco, o que a Grécia teve até hoje foi muita
austeridade com poucas reformas e o que faz sentido neste momento é suavizar a
austeridade, mas acentuar as reformas. Um dos fracassos mais claros no caso
grego foi o facto de uma desvalorização interna muito forte, que envolveu mesmo
uma queda dos salários nominais, quase não se ter traduzido em crescimento das
exportações, ao contrário do que se passou em Portugal, onde a desvalorização
interna não foi tão grande.
Temo que nas negociações com a Grécia os parceiros
comunitários se envolvam num equívoco grave de pensar que fora do euro a
austeridade seria muito maior, o que levaria o executivo grego a evitar a saída
a qualquer custo. Isto é esquecer que fora do euro o foco passa das contas
públicas para as contas externas. De volta ao dracma, a austeridade é muito
mais disfarçada, vem sob a forma de inflação e, por isso, é politicamente muito
mais atraente. Aliás, até se pode dizer que os eleitores gregos revelaram
preferir esse tipo de austeridade nas décadas que precederam a entrada no euro.
[Publicado no jornal “i”]
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