A segunda encíclica do papa Francisco, Sobre o cuidado da casa comum, debruça-se sobre as questões
ambientais, retomando preocupações da igreja católica que remontam, pelo menos,
a 1971.
Esta preocupação baseia-se no respeito por toda a natureza,
que é obra de Deus, pelo que desrespeitar esta é também uma forma de faltar ao
respeito ao Criador.
Um dos aspectos mais interessantes deste texto é a
abrangência dos seus destinatários, visível inicialmente, quando afirma que
o “urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir
toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral”
(§13). Este caracter é também reforçado pelas duas orações finais que o papa
propõe, a primeira para todos e a segunda para os cristãos (§246).
Outro aspecto é o reconhecimento de que não estamos perante
um mero problema técnico, já que “o imenso crescimento tecnológico não foi
acompanhado por um desenvolvimento do ser humano quanto à responsabilidade, aos
valores, à consciência” (§105) e hoje vemos sintomas “como a degradação
ambiental, a ansiedade, a perda do sentido da vida e da convivência social”
(§110). O papa também considera que “quando a técnica ignora os grandes
princípios éticos, acaba por considerar legítima qualquer prática” (§136).
Significativamente, considera que muito “discurso” do
crescimento sustentável não passa de “uma série de acções de publicidade e
imagem” (§194).
Outro aspecto saliente é a ligação entre os problemas
ambientais e a pobreza, pedindo-nos “para ouvir tanto o clamor da terra como o
clamor dos pobres (§49).
No último capítulo, sobre educação e espiritualidade
ecológicas, pretende que pensemos não apenas nos “terríveis fenómenos
climáticos (…) mas também nas catástrofes resultantes de crises sociais” (§204).
Propõe-nos um mundo com menos consumo, “encontrando satisfação nos encontros
fraternos, no serviço, na frutificação dos próprios carismas, na música e na
arte, no contacto com a natureza, na oração (§223).
Passando agora para um comentário mais pessoal, a igreja
católica tem liderado um movimento de ecumenismo e o papa Francisco parece
estar num boa posição para reforçar isto, o que poderá dar força e consequência
internacional a este documento.
Até há pouco, as duas maiores economias do mundo, os EUA e a
China, eram também as mais poluentes, as mais depredatórias do meio ambiente e
as mais resistentes a tentativas de refrear esta atitude. Muito recentemente, a
China, confrontada com graves crises de poluição, decretou um programa maciço
de investimento em energia renovável. Esta encíclica, pelo impacto que possa
vir a ter sobre as muito influentes igrejas americanas, pode finalmente
converter este país a proteger a nossa “casa comum”. É aliás, infeliz
constatar que os EUA, que se consideram “o” líder mundial, nesta matéria se
comportem como o mais atrasado dos seguidores.