Com a informação
disponível, diria que 80% da responsabilidade pelo desastre no GES/BES é de
Ricardo Salgado
A “narrativa” de Ricardo Salgado não passa de um delírio em
que ele tenta descartar-se de responsabilidade quando é, sem sombra de dúvida,
o principal responsável. Acho extraordinário que haja comentadores que falem na
existência de contradições entre o discurso do ex-presidente do BES e o do
Banco de Portugal, como se, de alguma maneira, fosse possível atribuir a mesma
credibilidade a ambos os discursos, quando Ricardo Salgado não só já foi
apanhado a mentir em inúmeras ocasiões, como esteve envolvido num conjunto
extraordinário de malfeitorias, como o caso Monte Branco, entre tantos outros.
Soube-se, aliás, recentemente, que quatro dos cinco ramos da
família estiveram muito próximos de exonerar o chefe do outro ramo, em Outubro
de 2013. Infelizmente, foram convencidos a desistir, do que devem estar hoje
terrivelmente arrependidos.
Se a família Espírito Santo não tivesse cometido a
quantidade de erros, imprudências e desonestidades (sobretudo Ricardo Salgado)
e omissões (o resto da família), nunca os outros intervenientes teriam sequer que
ser chamados, pelo que a responsabilidade destes só pode ser minoritária.
Dentro da família, parece evidente que a distribuição de
responsabilidades tem que cair desproporcionadamente sobre Ricardo Salgado, que
liderou tudo e, sabemos agora, sonegou imensa informação ao resto da família,
até os problemas terem atingido níveis insustentáveis.
Dentro da lista de erros de Ricardo Salgado, destaquem-se
toda a gestão do BESA e não ter pedido ajuda ao Estado, quando todos os outros
bancos o fizeram.
Dentro da lista de imprudências, saliente-se o excesso de endividamento
do GES e não vender activos quando a crise de 2007-2008 eclodiu.
Do rol de desonestidades, quase sem fim, escolho apenas duas:
esconder dívida do GES a partir de 2008 (só isso mais do que suficiente para
lhe retirar a idoneidade) e ter colocado doses maciças de dívida de empresas
falidas do GES junto de clientes do BES.
Com a informação disponível, diria que 80% da
responsabilidade pelo desastre no GES/BES é de Ricardo Salgado, 10% do resto da
família, 8% do Banco de Portugal e 2% do governo.
Com o que já se sabe, é evidente que o banco central deveria
ter sido muito mais assertivo nas exigências que foi colocando sobre o BES e o
GES, que Salgado ia desrespeitando, sem consequências de maior. O incumprimento
deste em relação às ordens no Banco de Portugal, em particular nas suas últimas
semanas, foi mesmo o cúmulo e é estranhíssimo que não esteja preso só por essas
acções, a que se deveria somar tudo o resto.
Quanto ao governo, manteve uma atitude muito defensiva que,
por enquanto, se tem que aprovar. É mil vezes preferível ter todos os bancos a
suportar o custo da resolução e a ter um enorme interesse num processo rápido e
eficaz, do que os custos passarem logo para o Estado. Lembremo-nos dos
disparates que ocorreram a seguir à nacionalização do BPN, que se arrastou
inexplicavelmente e em que chegou a haver a ideia peregrina de usar esta marca
completamente queimada como banco de PMEs.
É evidente que ainda não sabemos qual vai ser a factura
final para os contribuintes, que suponho que terá três elementos. Dado que é
improvável que a venda do Novo Banco consiga cobrir os custos iniciais, o
Estado irá perder com a participação da CGD no mecanismo de resolução, bem como
com os prejuízos adicionais da banca, perdendo com isso receitas fiscais.
Mas o terceiro elemento poderá vir a ser o mais
significativo. Como já foi salientado, para haver compradores do Novo Banco é
essencial que este não fique responsável por qualquer litígio futuro relativo à
sua criação. Assim, é de esperar que o Estado (leia-se, os contribuintes) venha
a ter que arcar com, pelo menos parte, desta terceira factura.
[Publicado no jornal “i”]
Sem comentários:
Enviar um comentário