quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Orçamentos alternativos

Quem está a pedir o perdão da dívida pode bem estar a pedir o fim do euro.

A esmagadora maioria das críticas à proposta de orçamento para 2014 é profundamente irrealista ou insincera. Não por o documento ser um poço de virtudes, mas por as críticas serem uma fantasia, que nunca explica as alternativas.

Por isso mesmo, vou listar algumas alternativas a este orçamento, por grau decrescente de radicalidade. O orçamento mais radicalmente diferente deste seria aquele que seria feito após a saída do euro. Quando sairmos do euro, dar-se-á uma alteração profunda sobre o foco do que é urgente. Neste momento, as atenções estão focadas no défice público, mas nessa altura o tema mais quente vai passar a ser as contas externas. Elas serão tanto mais importantes, quanto mais desordenado for o fim do euro e quanto maiores dificuldades Portugal tiver nos financiamentos externos.

De volta ao escudo, não será necessário cortar salários e pensões nominais, porque a inflação, o imposto inflação, se encarregará de produzir cortes muito mais fundos. Ou seja, os que defendem (eu não defendo, apenas prevejo) a alternativa da retirada do euro têm tido o cuidado de escamotear as graves consequências que ela trará em termos de redução do poder de compra.

Uma segunda alternativa é negociar um perdão de dívida, mantendo-nos no euro. Este perdão, para fazer sentido, tem que envolver, necessariamente, os credores oficiais. Se envolvesse apenas os credores privados, como no caso do primeiro perdão grego, arriscava-se a levar à falência os bancos portugueses, que depois teriam que pedir mais ajuda ao Estado, que seria forçado a emitir mais dívida, o que seria absurdo.

Já o perdão dos credores oficiais arrisca-se a atravessar várias linhas vermelhas. A perda de fundos por parte do FMI pode ditar a sua retirada da troika e tornar os resgates mais pesados para a Europa. No caso do BCE, pode levar à sua falência, um acontecimento gravíssimo do ponto de vista simbólico. Seria o mundo virado do avesso: o Estado americano em risco de não pagar a sua dívida e a zona do euro, a segunda maior do mundo, com o banco central falido.

Para além disto, o perdão da dívida por parte dos Estados seria desrespeitar a promessa que, há mais de vinte anos, foi feita em Maastricht, de que os contribuintes (em particular os alemães) não pagariam as facturas dos outros. Isso pode soltar todos os diabos, que poderão mesmo conduzir à retirada da Alemanha do euro.

Nem sei o que seria pior: a) Portugal dar início a este processo (no primeiro caso grego não houve perdão aos credores oficiais); b) Portugal só pedir perdão da dívida depois do segundo perdão grego, que terá necessariamente que envolver credores oficiais. Nesta segunda hipótese, caso o novo perdão helénico não fosse suficientemente catastrófico, provocaria o sentimento expresso no ditado alemão: “é melhor um fim com horror do que um horror sem fim”. Em resumo, quem está a pedir o perdão da dívida pode bem estar a pedir o fim do euro.

Um terceiro orçamento alternativo decorreria da renegociação das metas orçamentais com a troika. Mas como é que se chegaria lá? Teria que ser um novo governo, após eleições antecipadas, devido à queda deste governo pela incapacidade de respeitar as condições impostas pelos nossos financiadores. Se o novo governo poderia obter algum alívio nas metas, seria duramente castigado pelos mercados, porque isso demonstraria a incapacidade portuguesa em fazer a consolidação orçamental. Os eventuais benefícios da suavização dos objectivos para as contas públicas seriam destruídos pelos mercados. E não seria apenas o orçamento a sofrer com isso, mas também os bancos e as empresas, que ficariam com custos de financiamento mais elevados.

Finalmente, o quarto orçamento alternativo seria aquele que respeitasse a actual meta com a troika, mas chegasse lá de forma diferente. Aqui não vou entrar em detalhes, justamente para expor o vazio das críticas que se têm ouvido. As sugestões são irrealidades do tipo “não se devia cortar aqui”, sem qualquer corte substituto ou, no melhor dos casos, devia-se cortar 10 aqui em vez de 1000 ali, como se isso fosse uma solução admissível.

Insisto que não estou a afirmar que este orçamento é maravilhoso, nem que não haja alternativas, mas apenas que quem está contra tem que ser mais realista e honesto nas soluções que defende.

[Publicado no jornal "i"]

2 comentários:

GBT disse...

Excelente artigo, parabéns.

Pedro Braz Teixeira disse...

Muito obrigado, GBT.