quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Orçamento de 2014

Teme-se que a proposta de orçamento para 2014 seja simultaneamente muito dolorosa e insuficiente

Na próxima semana teremos a divulgação da proposta de orçamento para 2014, um documento dificílimo e que, teme-se, será muito decepcionante.

Tive sempre a sensação que, apesar de o governo ter tentado aliviar a meta do défice para o próximo ano, de 4,0% para 4,5% do PIB, o executivo não estava preparado para alcançar a sua proposta, quanto mais a exigência da troika.

No entanto, devido à crise política criada por Paulo Portas, que quase destruiu dois anos de trabalho, em que ele esteve intimamente envolvido, os nossos financiadores mantiveram-se inflexíveis.

O documento disponível de avaliação da 8ª e 9ª avaliação da troika é demasiado sucinto para permitir uma apreciação conclusiva. No entanto, apesar de termos tido nota positiva é essencial avisar que os nossos avaliadores não tinham inteira liberdade para escrever o que verdadeiramente pensavam. Neste momento, na crise do euro, temos dois casos perdidos, a Grécia e Chipre, um caso de sucesso, a Irlanda, e várias dúvidas, entre as quais Portugal.

Para os mercados financeiros, não há qualquer dúvida: Portugal está muito mais próximo de ser uma segunda Grécia do que uma segunda Irlanda. Por isso é que a troika não lhes pode dar grandes hipóteses de confirmação daquilo que eles já hoje pensam. Será extremamente grave que a Irlanda fique isolada como único caso de sucesso, até porque este país teve problemas por razões sui generis, devido ao facto de o seu sistema bancário ter crescido desmesuradamente.

Com a Irlanda como único país a ser bem-sucedido agravar-se-ão as já actualmente fortes suspeitas de que estamos perante um problema sistémico do euro. E isso pode ser a fonte de novos problemas, de mais contágio a países frágeis, como Espanha e Itália.

Julgo que existe actualmente um outro obstáculo, que se prende com a dificuldade em gerar um novo executivo na Alemanha, pelo que a troika não tem o menor interesse em deixar transparecer dificuldades.

Apesar da benevolência com que a troika tem avaliado Portugal, tenho sérias dificuldades em acreditar que consiga “engolir” uma proposta de orçamento para 2014 cheia de boas intenções, mas com números não credíveis.

Dado o passado do personagem, também não acredito que a reforma do Estado, sobre a qual continua a não se saber nada, tenha qualquer coisa de verdadeiramente substancial e consequente.

Em relação ao corte nas pensões, que muitos criticam como não sendo reforma “do” Estado, tenho que discordar no aspecto em que as prestações sociais são uma das maiores componentes da despesa pública, pelo que é inevitável que sejam afectadas. Em relação ao corte nas “pensões das viúvas” devo confessar que foi mais dos extraordinários erros de comunicação deste governo, uma qualidade em que, aliás, se tem especializado. Se ainda não sabiam os moldes concretos em que iam fazer os cortes, estivessem caladinhos. Assim, o que fizeram foi assustar desnecessariamente pessoas em situação muito frágil, quando aparentemente 97% das pensões não serão afectadas pela medida prevista.

Ainda por cima, esta medida, apesar de ser tomada devido a uma urgência financeira, é de elementar justiça. As pensões de viuvez justificavam-se quando a esmagadora maioria das mulheres não trabalhavam. Hoje em dia, quando esse já não é o caso, já não fazem sentido nos moldes em que existiram no passado. Tem algum sentido uma pessoa que já recebe uma pensão de 3000 euros ainda receber mais uma pensão de viuvez? É evidente que se terão que salvaguardar alguns casos, de existência de órfãos dependentes ou de a pensão de viuvez ser muito superior à pensão base, caso em que se deveria dar o direito de opção.


O resto que ainda falta saber sobre o próximo orçamento tem todas as condições para ser tão ou mais doloroso. Só se espera que da próxima vez o governo não cause sofrimento inútil por pura inépcia comunicacional. Sugiro que tomem, de uma vez por todas, consciência de que não sabem comunicar e contactem um psicólogo ou algum especialista em inteligência emocional para os ajudar. 

[Publicado no jornal "i"]

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