Quem está a pedir o
perdão da dívida pode bem estar a pedir o fim do euro.
A esmagadora maioria das críticas à proposta de orçamento
para 2014 é profundamente irrealista ou insincera. Não por o documento ser um
poço de virtudes, mas por as críticas serem uma fantasia, que nunca explica as
alternativas.
Por isso mesmo, vou listar algumas alternativas a este
orçamento, por grau decrescente de radicalidade. O orçamento mais radicalmente
diferente deste seria aquele que seria feito após a saída do euro. Quando
sairmos do euro, dar-se-á uma alteração profunda sobre o foco do que é urgente.
Neste momento, as atenções estão focadas no défice público, mas nessa altura o
tema mais quente vai passar a ser as contas externas. Elas serão tanto mais
importantes, quanto mais desordenado for o fim do euro e quanto maiores
dificuldades Portugal tiver nos financiamentos externos.
De volta ao escudo, não será necessário cortar salários e
pensões nominais, porque a inflação, o imposto inflação, se encarregará de
produzir cortes muito mais fundos. Ou seja, os que defendem (eu não defendo,
apenas prevejo) a alternativa da retirada do euro têm tido o cuidado de
escamotear as graves consequências que ela trará em termos de redução do poder
de compra.
Uma segunda alternativa é negociar um perdão de dívida,
mantendo-nos no euro. Este perdão, para fazer sentido, tem que envolver,
necessariamente, os credores oficiais. Se envolvesse apenas os credores
privados, como no caso do primeiro perdão grego, arriscava-se a levar à
falência os bancos portugueses, que depois teriam que pedir mais ajuda ao
Estado, que seria forçado a emitir mais dívida, o que seria absurdo.
Já o perdão dos credores oficiais arrisca-se a atravessar
várias linhas vermelhas. A perda de fundos por parte do FMI pode ditar a sua
retirada da troika e tornar os
resgates mais pesados para a Europa. No caso do BCE, pode levar à sua falência,
um acontecimento gravíssimo do ponto de vista simbólico. Seria o mundo virado
do avesso: o Estado americano em risco de não pagar a sua dívida e a zona do
euro, a segunda maior do mundo, com o banco central falido.
Para além disto, o perdão da dívida por parte dos Estados
seria desrespeitar a promessa que, há mais de vinte anos, foi feita em
Maastricht, de que os contribuintes (em particular os alemães) não pagariam as
facturas dos outros. Isso pode soltar todos os diabos, que poderão mesmo
conduzir à retirada da Alemanha do euro.
Nem sei o que seria pior: a) Portugal dar início a este
processo (no primeiro caso grego não houve perdão aos credores oficiais); b)
Portugal só pedir perdão da dívida depois do segundo perdão grego, que terá
necessariamente que envolver credores oficiais. Nesta segunda hipótese, caso o
novo perdão helénico não fosse suficientemente catastrófico, provocaria o
sentimento expresso no ditado alemão: “é melhor um fim com horror do que um
horror sem fim”. Em resumo, quem está a pedir o perdão da dívida pode bem estar
a pedir o fim do euro.
Um terceiro orçamento alternativo decorreria da renegociação
das metas orçamentais com a troika.
Mas como é que se chegaria lá? Teria que ser um novo governo, após eleições
antecipadas, devido à queda deste governo pela incapacidade de respeitar as
condições impostas pelos nossos financiadores. Se o novo governo poderia obter
algum alívio nas metas, seria duramente castigado pelos mercados, porque isso
demonstraria a incapacidade portuguesa em fazer a consolidação orçamental. Os
eventuais benefícios da suavização dos objectivos para as contas públicas
seriam destruídos pelos mercados. E não seria apenas o orçamento a sofrer com
isso, mas também os bancos e as empresas, que ficariam com custos de
financiamento mais elevados.
Finalmente, o quarto orçamento alternativo seria aquele que
respeitasse a actual meta com a troika,
mas chegasse lá de forma diferente. Aqui não vou entrar em detalhes, justamente
para expor o vazio das críticas que se têm ouvido. As sugestões são
irrealidades do tipo “não se devia cortar aqui”, sem qualquer corte substituto
ou, no melhor dos casos, devia-se cortar 10 aqui em vez de 1000 ali, como se
isso fosse uma solução admissível.
[Publicado no jornal "i"]
2 comentários:
Excelente artigo, parabéns.
Muito obrigado, GBT.
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