quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Saída de depósitos


A crise do euro tem levado a uma saída de depósitos dos países periféricos para os países mais seguros, mas muito menor em Portugal

Desde o início da crise do euro que se detectou um movimento significativo de fuga de depósitos, dos países periféricos para lugares mais seguros. Na Grécia, estas saídas de capitais começaram a notar-se logo em Janeiro de 2010, registando perdas acumuladas de 35% (dados do BCE, até Agosto de 2012). Em Abril daquele ano a Grécia foi forçada a pedir ajuda e desde então tem-se assistido a um verdadeiro descalabro neste país, que já incluiu um perdão de dívida de 74%.

Na Irlanda, a queda nos depósitos começou a notar-se em Maio de 2010 e este país acabou por pedir ajuda em Novembro desse ano. No entanto, poucos meses depois a fuga de fundos estancou, totalizando apenas 10% do total e tem estabilizado a esse nível até hoje.

Em Espanha, a fuga de depósitos iniciou-se em Julho de 2011, já depois de Portugal ter pedido ajuda e tem vindo a acelerar, tendo já saído 14% do total de depósitos que se registava no seu máximo.

Em Itália, registou-se uma saída de capitais limitada durante 2011 até quase ao final do ano, quando este Estado esteve próximo do precipício. A partir daí, as medidas europeias e o governo de Monti conseguiram inverter aquela fuga e houve um regresso do dinheiro transferido para o exterior, que já foi praticamente todo recuperado.

No caso de Portugal, a saída de fundos só se iniciou em Novembro de 2011, embora tenha vindo a acelerar nos últimos meses, totalizando apenas 8% do total dos depósitos. Estes dados podem não coincidir exactamente com aqueles que têm sido divulgados, mas são dados do BCE, do total de depósitos excluindo a administração pública central e as instituições financeiras monetárias (código 2.2.3), o que os permite comparar directamente com os outros países.

Os dados portugueses revelam dois aspectos importantes. O primeiro é que o movimento de fuga é muito atrasado em relação ao padrão que se verificou nos restantes Estados. Enquanto nos outros as saídas de capital se iniciam ANTES do pedido de auxílio, que nalguns casos ainda nem ocorreu, no caso de Portugal a fuga só se iniciou cerca de seis meses DEPOIS do resgate internacional.

O segundo aspecto é que de Portugal têm saído comparativamente menos fundos do que dos outros países, à excepção de Itália, em que o governo Monti tem inspirado muita confiança, algo de que o actual governo português não pode ser “acusado”.

Saiu muitíssimo mais dinheiro da Grécia do que de Portugal, mas isso não deve surpreender porque o caso grego é quase um caso perdido. Mas a Irlanda tem-se portado muito bem e está a ter sucesso no programa de ajustamento, coisa que se tornou mais evidente nos últimos meses que não é o nosso caso. No entanto, saiu menos dinheiro de Portugal do que da Irlanda.

O caso espanhol pode-se considerar ainda mais flagrante, já que Espanha ainda nem sequer pediu ajuda e já saiu de lá quase o dobro (em termos relativos) do que saiu de Portugal.

Se aos dados sobre saída de capitais acrescentarmos uma avaliação, um pouco menos científica, sobre declarações oficiais e comentários na comunicação social, verificamos que nos outros países periféricos se discute abertamente a saída do euro e mesmo o fim do euro. Por oposição, em Portugal fala-se muito menos sobre estes temas, que são quase tabu, com raras excepções.

Por tudo isto ouso concluir que em Portugal há um generalizado estado de negação sobre os problemas que se avizinham e uma grande falta de preparação para eles.

Quando sair do euro a Grécia pode contar com montantes muito volumosos de capitais no exterior, que poderão regressar ao país, aproveitando as pechinchas que se encontrarão à venda e fornecendo uma ajuda preciosa à recuperação económica do país. O mesmo se poderá dizer de Espanha, que não deverá sofrer perdas cambiais tão fortes como a Grécia e que, desde logo, tem uma economia muito mais atraente para investir do que a grega.

Portugal vai precisar de muito mais ajuda do que Espanha (em termos relativos) mas, a manter-se a actual apatia dos portugueses, vai ter muito menos fundos disponíveis no estrangeiro no momento em que precisar desesperadamente deles.

[Publicado no Jornal “i”]

Adenda: Há quem muito chocado com a minha insistência na colocação de dinheiro fora de Portugal, por isso desejo contribuir para esclarecer este ponto.

Quais são os problemas que têm sido referidos em relação à Grécia? O quase colapso do sistema partidário vigente; a contestação violenta nas ruas; uma recessão profunda, com uma queda acumulada do PIB de mais de 20% (uma depressão ocorre quando é ultrapassada a marca dos 10%); um desemprego elevadíssimo (nos jovens já ultrapassou os 50%!); perdão forçado da dívida, com prejuízo de 74% para os investidores; etc.

Entre os principais problemas gregos não se inclui – e bem – a fuga de capitais, que já dura há quase três anos. Ou seja, esta fuga é um mal menor.

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