sábado, 5 de setembro de 2015

Refugiados

A política europeia face às migrações precisa de ser mais abrangente, com ênfase na diplomacia

Esta semana tivemos a infelicidade de ver a fotografia do pequeno sírio Aylan Kurdi, morto à beira-mar, que parece estar a produzir um efeito muito significativo nas populações europeias, de reconhecimento do problema dos refugiados que tentam chegar à Europa. Na verdade, quase em simultâneo tinha surgido o rumor de que Juncker se prepara para quadruplicar as quotas para o conjunto da UE para 160 mil pessoas, o que continua a parecer muito pouco, sobretudo se atendermos ao facto de que só a Alemanha já se disponibilizou a aceitar 800 mil deslocados.

Se olharmos para a política oficial da UE, em que a migração é assumida como uma das dez prioridades da Comissão, ficamos desapontados com o caracter eminentemente burocrático dos quatro pilares daquela política, preocupados, entre outras questões, com a redução dos incentivos à imigração irregular, desmantelando redes de tráfico entre outras ações preconizadas.

Parece que há na política europeia duas grandes omissões: a diplomacia e o envolvimento de terceiros países. A primeira razão porque há refugiados é porque há conflitos armados, que provocam a deslocação de populações. Parece, assim, que deveria haver uma primeira preocupação com um envolvimento diplomático muito superior ao que existe atualmente nas zonas de conflito. Não se espera uma solução milagrosa, rápida e indolor, mas também custa a crer que a UE, com a sua importância económica, comercial, financeira, fornecedora de armamentos, não consiga ajudar a minorar a situação, seja através da negociação de tréguas, de maior proteção das populações civis, com evacuações programadas ou outras ações.

No caso da Síria, ainda que muito complexo, tem havido apoio de França e do Reino Unido à oposição do governo, pelo que haverá margem para influenciar o que se passa e, talvez, a limitar os danos nos civis.

Em relação ao envolvimento de terceiros países, parece pacífico reconhecer que a maioria dos refugiados preferirá ficar em Estados próximos da sua zona de origem, do que viajar milhares de quilómetros, nas mais precárias, caras e perigosas condições, desde que consigam ali níveis mínimos de subsistência.

Na verdade, é exatamente isso que têm feito os refugiados sírios, cuja maioria se tem concentrado em países com fronteira com a sua terra natal. Dos cerca de 20 milhões de habitantes que a Síria tinha antes dos conflitos, estima-se (com todas as limitações que estas estatísticas têm) que cerca de metade foram forçados a deslocar-se dentro do próprio país e que cerca de 4 milhões se tenham refugiado no exterior. Destes, mais de metade estará na Turquia, outro quarto residirá no Líbano, havendo ainda contingentes significativos na Jordânia e no Iraque. Na UE, estarão neste momento pouco mais de 5% do total de refugiados sírios.

Ou seja, por um lado, parece fazer todo o sentido que a UE ajude financeiramente os Estados que já recebem um grande número de deslocados da guerra, com destaque, para o Líbano que tem arcado com um número desproporcionado de pessoas para a sua dimensão. Para além disso, justificar-se-á que a UE faça pressão junto de outros países da região para também eles receberem sírios, em particular a Arábia Saudita, que tem bolsos fundos (atualmente afeados pela queda do preço do petróleo) e que estão abertamente envolvidos no conflito, pelo apoio que têm dado a uma das partes.

Para além do que ficou dito, é evidente que nos cabe acolher da melhor forma possível os refugiados que nos procuram, começando por assegurar um transporte condigno, para colocar um fim no tráfico de pessoas e nas mortes trágicas.

Gostava de concluir com uma ressalva: uma má gestão da questão dos refugiados e imigrantes pode redundar, a prazo, num recrudescimento da extrema-direita. E é preciso ver, em primeiro lugar, que os apoiantes deste extremismo estão nos trabalhadores mais pobres e com maior risco de desemprego. Será necessário acompanhar eventuais impactos nestes grupos mais desfavorecidos, para garantir que os seus receios não se materializam.


[Publicado no jornal “i”. A partir de hoje, por exigência do jornal, seguindo o novo Acordo Ortográfico.]

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