A política europeia
face às migrações precisa de ser mais abrangente, com ênfase na diplomacia
Esta semana tivemos a infelicidade de ver a fotografia do
pequeno sírio Aylan Kurdi, morto à beira-mar, que parece estar a produzir um
efeito muito significativo nas populações europeias, de reconhecimento do
problema dos refugiados que tentam chegar à Europa. Na verdade, quase em
simultâneo tinha surgido o rumor de que Juncker se prepara para quadruplicar as
quotas para o conjunto da UE para 160 mil pessoas, o que continua a parecer
muito pouco, sobretudo se atendermos ao facto de que só a Alemanha já se
disponibilizou a aceitar 800 mil deslocados.
Se olharmos para a política oficial da UE, em que a migração
é assumida como uma das dez prioridades da Comissão, ficamos desapontados com o
caracter eminentemente burocrático dos quatro pilares daquela política,
preocupados, entre outras questões, com a redução dos incentivos à imigração
irregular, desmantelando redes de tráfico entre outras ações preconizadas.
Parece que há na política europeia duas grandes omissões: a diplomacia
e o envolvimento de terceiros países. A primeira razão porque há refugiados é
porque há conflitos armados, que provocam a deslocação de populações. Parece,
assim, que deveria haver uma primeira preocupação com um envolvimento
diplomático muito superior ao que existe atualmente nas zonas de conflito. Não
se espera uma solução milagrosa, rápida e indolor, mas também custa a crer que
a UE, com a sua importância económica, comercial, financeira, fornecedora de
armamentos, não consiga ajudar a minorar a situação, seja através da negociação
de tréguas, de maior proteção das populações civis, com evacuações programadas
ou outras ações.
No caso da Síria, ainda que muito complexo, tem havido apoio
de França e do Reino Unido à oposição do governo, pelo que haverá margem para
influenciar o que se passa e, talvez, a limitar os danos nos civis.
Em relação ao envolvimento de terceiros países, parece
pacífico reconhecer que a maioria dos refugiados preferirá ficar em Estados
próximos da sua zona de origem, do que viajar milhares de quilómetros, nas mais
precárias, caras e perigosas condições, desde que consigam ali níveis mínimos
de subsistência.
Na verdade, é exatamente isso que têm feito os refugiados
sírios, cuja maioria se tem concentrado em países com fronteira com a sua terra
natal. Dos cerca de 20 milhões de habitantes que a Síria tinha antes dos
conflitos, estima-se (com todas as limitações que estas estatísticas têm) que
cerca de metade foram forçados a deslocar-se dentro do próprio país e que cerca
de 4 milhões se tenham refugiado no exterior. Destes, mais de metade estará na
Turquia, outro quarto residirá no Líbano, havendo ainda contingentes
significativos na Jordânia e no Iraque. Na UE, estarão neste momento pouco mais
de 5% do total de refugiados sírios.
Ou seja, por um lado, parece fazer todo o sentido que a UE
ajude financeiramente os Estados que já recebem um grande número de deslocados
da guerra, com destaque, para o Líbano que tem arcado com um número
desproporcionado de pessoas para a sua dimensão. Para além disso,
justificar-se-á que a UE faça pressão junto de outros países da região para
também eles receberem sírios, em particular a Arábia Saudita, que tem bolsos
fundos (atualmente afeados pela queda do preço do petróleo) e que estão
abertamente envolvidos no conflito, pelo apoio que têm dado a uma das partes.
Para além do que ficou dito, é evidente que nos cabe acolher
da melhor forma possível os refugiados que nos procuram, começando por
assegurar um transporte condigno, para colocar um fim no tráfico de pessoas e
nas mortes trágicas.
Gostava de concluir com uma ressalva: uma má gestão da
questão dos refugiados e imigrantes pode redundar, a prazo, num recrudescimento
da extrema-direita. E é preciso ver, em primeiro lugar, que os apoiantes deste
extremismo estão nos trabalhadores mais pobres e com maior risco de desemprego.
Será necessário acompanhar eventuais impactos nestes grupos mais
desfavorecidos, para garantir que os seus receios não se materializam.
[Publicado no jornal “i”. A partir de hoje, por exigência do
jornal, seguindo o novo Acordo Ortográfico.]
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