Se o PS tivesse estado
no governo nos últimos quatro anos é provável que a troika ainda cá mandasse
O Público desta
quarta-feira publicou uma carta confidencial que Passos Coelho enviou a José
Sócrates, em Abril de 2011, tendo o jornal mentido sobre o conteúdo da missiva,
ao afirmar – na primeira página – que aquele dirigente do PSD estava a “exigir”
a vinda da troika. Esta desonestidade
daquele que já foi uma referência do jornalismo português é, para além de
eticamente reprovável, um insulto à inteligência dos leitores. Ao ler-se o
texto verificam-se duas coisas: 1) o atual primeiro-ministro estava muito mais
consciente das dificuldades do país do que Sócrates; 2) para além disso,
mostrava-se disposto a apoiar as diligências que fossem necessárias.
Esta segunda atitude não podia ser mais contrastante com a
do PS de António Costa, sempre a colocar os interesses do partido acima dos
interesses do país, ao ponto de ter rasgado a reforma do IRC que tinha sido
acordada com o seu partido, deixando os investidores externos estarrecidos com
esta falta de credibilidade do país, em que é impossível confiar.
Ainda em relação à vinda da troika, é preciso recordar que houve pressões comunitárias, para
que ela fosse chamada em Novembro do ano anterior, coincidindo com o pedido de
ajuda da Irlanda, para evitar transmitir a ideia de sucessivos novos problemas
na crise do euro. Sócrates recusou um pedido atempado, do que resultou um
programa de ajustamento com um caracter punitivo, como castigo por isso, para
além de que o facto de a ajuda surgir quando o país já estava com a corda na
garganta nos ter limitado ao mínimo o poder negocial.
Em relação ao Memorando inicial, é certo que a economia caiu
mais e o desemprego subiu mais do que o esperado, devido ao excessivo otimismo
do programa, como o FMI já reconheceu. Isso fez com que a diminuição do défice
público e a contenção da dívida pública se tivessem tornado mais difíceis.
Mas as críticas de António Costa, contra a austeridade e
sobre o aumento da dívida pública, são incoerentes, uma sua imagem de marca. Ou
bem que critica a austeridade ou bem que critica a dívida. Como é evidente, se
tivesse havido menos austeridade teríamos hoje ainda mais dívida pública do que
temos.
Quanto a ter ido para além da troika, alguém é capaz de dizer onde é que isso se passou? O défice
público caiu mais lentamente do que o combinado, o Estado quase não foi
reformado, o número de câmaras municipais deixado intacto, as privatizações
claramente aquém do acordado, as reformas estruturais foram menos e menos
profundas do que o estipulado, etc.
Como é evidente, houve trabalho feito num contexto muito
difícil, mas temos o direito de criticar um governo a quem faltava experiência
e que se furtou a fazer muita coisa, em particular e insisto, a reformar a
despesa pública. Demasiadas vezes a urgência de encontrar soluções e a falta de
trabalho de casa levaram a decisões injustas, como foi o caso da segurança
social, em que continua a faltar uma ligação clara entre as carreiras
contributivas e a pensão recebida.
Mas imaginem agora que nestes últimos anos tínhamos sido
(des)governados pelo PS. É evidente que os socialistas teriam reformado muito
menos, que teriam ciclicamente assustado os mercados e é duvidoso que
tivéssemos escapado da necessidade de um segundo resgate.
O que mais custa não é a debilidade das propostas do PS, é o
que elas revelam sobre a falta de consciência deste partido sobre os problemas
estruturais do país e da forma como o PS foi cúmplice na criação de alguns
deles nas últimas duas décadas. Foi a partir de Guterres que o nosso
endividamento externo começou, já que em 1995 era apenas de 8% do PIB. A forte
perda de competitividade que decorreu da aposta na procura interna desde então
produziu mesmo o impensável: há quinze anos que o país passou a divergir da
Europa, apesar de receber fundos comunitários para convergir.
Tudo indica que vamos iniciar uma fase particularmente
difícil em termos internacionais e exigente em termos nacionais e vamos entrar
neste mar encapelado com um governo pouco preparado e provavelmente instável.
[Publicado no jornal “i”]
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