É lamentável que
tenham que ser instituições externas, como o FMI, a apontar o caminho das
reformas para a nossa saúde económica
O último relatório do FMI vem revelar algumas das
fragilidades remanescentes na economia portuguesa, apesar das reformas
encetadas sob pressão da troika.
Antes de mais, é importante dizer que é infeliz que tenhamos
que ouvir estes diagnósticos e recomendações de instituições externas, porque
não há em Portugal nada de equivalente que desempenhe este papel. Não há um
organismo público, independente e respeitado, que o faça, como também não
existem grupos universitários nem instituições privadas com esta função.
Apesar da inegável importância de definir e orientar as
reformas essenciais para resolver os graves problemas que persistem, ainda não
houve a preocupação de preencher estas lacunas no país.
Assim, continuamos intelectualmente dependentes do FMI,
entre outras instituições internacionais. Deve dizer-se que o facto de as
extremamente favoráveis condições de mercado levarem a que Portugal antecipe a
amortização da dívida ao Fundo faz com que o interesse directo desta
instituição no sucesso do nosso país se vá diluindo. O que não quer dizer que o
FMI nos passe a ignorar, já que está estatutariamente obrigado a avaliar
regularmente a nossa saúde económica.
Também é justo reconhecer que, dentro do conjunto da troika, o FMI foi quem teve a posição
mais pragmática, flexível e quem mais foi capaz de fazer autocrítica em relação
às suas recomendações passadas.
Para além disso, o economista-chefe do FMI, o francês
Olivier Blanchard, tem estado na linha da frente da revisão da macroeconomia no
rescaldo da crise internacional iniciada em 2007. Infelizmente, está de saída,
não sendo inteiramente claro porque sai, podendo colocar-se a hipótese de estar
a provocar demasiados anticorpos à ortodoxia vigente. Mas, apesar de tudo, é
difícil de acreditar que Blanchard não deixe uma marca positiva e duradoura no
FMI.
Voltando ao relatório recentemente divulgado, é interessante
constatar que ele se inicia com uma avaliação das reformas estruturais já
aplicadas, mas em que a avaliação é feita pelas empresas.
Estas encararam as reformas como tendo pelo menos alguns
aspectos positivos, mas poucas terão tido um impacto significativo. Em relação
às reformas do mercado de trabalho, as empresas exportadoras e as PME
consideraram que o aumento da flexibilidade do tempo de trabalho e a redução do
custo de contratação e despedimento tiveram um forte impacto positivo, ao
contrário das reformas da negociação colectiva.
Registou-se um forte consenso em relação a todo o tipo de
firmas que as reformas dos sectores público e financeiro deveriam ser
reforçadas. Foi pedida maior eficácia na administração pública e na justiça,
uma queixa recorrente, e também que houvesse um aumento da disciplina nos
pagamentos das entidades públicas.
As empresas exportadoras, para quem os problemas de
competitividade são decisivos, pedem mais reformas na energia, nas portagens,
caminhos-de-ferro, bem como a necessidade de intensificar as alterações no
mercado de trabalho.
Em termos orçamentais, o FMI reconhece que foram alcançados
resultados “substanciais”, mas conseguidos sobretudo do lado da receita e com a
redução do investimento público. Por isso, conclui sobre a necessidade de
controlo da despesa, com um foco nos salários da função pública e nas pensões.
Se as recomendações gerais do FMI não surpreendem, já as
suas recomendações mais específicas constituem a parte mais interessante. Mas a
conclusão mais importante será a de que não é verdade que está tudo feito e já
podemos voltar à vida do passado, até porque ela não era sustentável.
A poucos meses das eleições, parece difícil que os partidos
possam aproveitar estas recomendações, mas veremos o que o próximo governo
poderá retirar daqui, para sairmos do marasmo em que ainda estamos.
[Publicado
no jornal “i”]