Hoje alguns gostariam
que o euro tivesse incluído uma “cláusula de saída ordeira”, mas isso seria
impossível
Num artigo publicado a dois deste mês, no Público, João Carlos Espada escreve: “o
euro deveria desde o início ter previsto uma cláusula de saída ordeira. A
disciplina orçamental a ele — justamente — associada devia desde o início ter
sido apresentada como facultativa. Os países cujos Parlamentos não quisessem
seguir aquela disciplina poderiam sair do euro.”
A ideia é atraente, mas apresenta vários problemas. A
primeira questão é que os países que não quisessem seguir a disciplina
orçamental nem sequer seriam admitidos no clube.
Infelizmente, em vez de fazer do euro um clube restrito,
pretendeu-se alargá-lo o mais possível, tendo sido favorecida a entrada
daqueles que iludiram descaradamente as exigências orçamentais, como os gregos,
como aqueles que as desrespeitaram com mais recato, usando a contabilidade
criativa das PPP, como foi o caso de Guterres.
Para além disso, uma “cláusula de saída ordeira” definiria
os termos em que os contratos seriam transformados aquando de uma saída, pelo
que, na prática, os contratos nunca seriam realizados em euros mas, em última
análise, na nova moeda nacional de cada país membro do que seria uma muito
estranha união monetária.
Até à crise do euro, que eclodiu no final de 2009, havia um
único mercado monetário do euro, que entretanto se fragmentou em mercados
nacionais. Ora, se houvesse a tal cláusula de saída nunca teria chegado a haver
um verdadeiro mercado único do euro, porque os credores saberiam que, a qualquer
momento, os seus créditos poderiam passar a estar denominados em novos dracmas
(ou outra qualquer moeda).
Mas, muito curiosamente, se uma tal cláusula existisse,
muitos dos erros cometidos jamais poderiam ter tido lugar. As taxas de juro de
longo prazo entre a Grécia e a Alemanha nunca se teriam estreitado tanto, não
permitindo uma folga orçamental que os gregos desbarataram.
Para alem disso, a disparatadíssima tese de Constâncio, de
que o conceito de défice externo tinha deixado de fazer sentido, jamais poderia
ter circulado, nem alguma vez seria tolerada a absurda acumulação de dívida
externa por Portugal, em larga medida fruto da cegueira de Constâncio.
Ou seja, por mais atraente que possa parecer, a posteriori, uma cláusula de saída do
euro nunca poderia ter feito parte do pacote inicial, porque constituiria a
negação da própria moeda única.
Ainda que essa cláusula não tenha existido inicialmente,
será concebível que haja uma saída ordeira neste momento? Como é evidente, esta
não é uma questão ociosa, já que fontes do governo alemão já equacionaram a
saída da Grécia e consideram mesmo que não seria nada de preocupante.
A primeira questão que era útil resolver era permitir que um
país saísse do euro sem sair da UE, o que actualmente não é possível. Mas, na
verdade, a criação desta cláusula neste momento jamais poderia ser lida como
uma norma abstracta, antes feita a pensar na Grécia e em Chipre, podendo mesmo
apressar uma eventual saída, ao provocar uma fuga generalizada de depósitos.
Para além disso, uma saída ordeira exige duas questões que é
quase impossível conseguir em simultâneo, devido aos diferentes planos
temporais que envolvem. Por um lado, é necessário tratar de toda a parte
logística, de imprimir novas notas e cunhar novas moedas, adaptar sistemas de
pagamento automático, etc. Por outro, é necessária a negociação da transição
dos contratos entre o euro e a nova moeda, provavelmente diferente no caso de
residentes e no caso de não residentes, como lidar com as dívidas externas e do
banco central envolvido, etc.
Enquanto o primeiro tema exige um trabalho que demorará
alguns meses, o segundo tema terá que ficar solucionado, no máximo, num
fim-de-semana alargado. Há quem possa pensar que se poderia arrancar com as
questões logísticas previamente, mas isso é impraticável, porque exigiria um
nível de segredo difícil de garantir. A partir do momento que começassem a ser
impressas notas de novos dracmas, seria (quase) impossível impedir a difusão de
tal notícia.
[Publicado no jornal“i”]
Sem comentários:
Enviar um comentário