segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Pré Soros

Soros acelerou a inevitável saída da libra do Mecanismo de Taxas de Câmbio e a zona do euro poderá estar a caminho de criar o seu “Soros”

Em 1992, falando com os mais variados analistas e investidores, Soros recebia a resposta unânime de que a libra não conseguiria manter a paridade vigente no Mecanismo de Taxas de Câmbio (MTC). O governo britânico estava a tomar medidas desesperadas, de subida de taxas de juro, que eram económica e politicamente insustentáveis. O que surpreendia Soros era que a unanimidade de pensamento não se traduzisse em acção. Foi isso que ele fez, apostando contra a libra, o que acelerou o inevitável e, no processo, lhe deu a ganhar mil milhões de libras.

Neste momento, parece que a zona do euro se está a aproximar de um momento Soros, devido à vitória do Syriza na Grécia, embora com três variantes.

Em primeiro lugar, é muito menos evidente hoje de que a Grécia esteja muito próximo de sair do euro, como era então evidente que a libra seria expulsa do MTC. Seria uma irresponsabilidade de tal forma grande que o Syriza provocasse deliberadamente a expulsão do seu país da zona do euro, que muitos continuam a acreditar que algum tipo de compromisso será encontrado.

No entanto, convém sublinhar que Alexis Tsipras e o seu governo se têm comportado de forma tão pouco racional, que convém manter um grande cepticismo. Os zigues-zagues têm sido permanentes, mas o próprio BCE já parece ter perdido a paciência para este jogo, talvez cedo demais.

Em segundo lugar, a saída da libra do MTC gerou uma enorme flexibilização das regras deste Mecanismo, que passaram a ser muitíssimo mais fáceis de cumprir. Em contrapartida, a saída da Grécia do euro, mesmo gerando algum alívio nas regras actuais, criaria a suspeita de outras retiradas desta zona monetária. Ou seja, a saída da Grécia do euro pode provocar estragos muitíssimo superiores aos ocorridos à moeda britânica em 1992.

Em terceiro lugar, e esta talvez seja a diferença mais importante, qualquer “Soros” que queira testar hoje a consistência do euro terá de enfrentar o BCE a iniciar um gigantesco programa de compra de dívida soberana, o que, por enquanto, poderá ser encarado como uma muralha intransponível.

No entanto, resta saber como este filme se irá desenrolar. Se, fora da Grécia, as coisas parecem extremamente calmas (leia-se, as taxas de juro de longo prazo), muita coisa poderá mudar muito rapidamente.

Por um lado, atente-se na total improvisação do lado helénico, criando um suspense permanente. Do lado europeu, já foi confirmada a intransigência da Alemanha e do BCE, agravada pela ilusão de que a saída da Grécia do euro seria algo de gerível. Mas, sobretudo, recordemos os disparates decididos – por unanimidade! – durante a crise de Chipre, para reavaliarmos a possibilidade de uma tempestade súbita.


[Publicado no DiárioEconómico]

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