domingo, 8 de fevereiro de 2015

Fantasias

O programa de António Costa baseia-se num diagnóstico errado e é muito vago nas soluções

Em entrevista ao Público, publicada esta quinta-feira, António Costa revela – finalmente – algumas ideias sobre o caminho que pretende seguir. Infelizmente, elas baseiam-se num diagnóstico erróneo e são demasiado vagas em relação ao futuro.

Segundo o actual líder do PS, o modelo social europeu é a solução para o crescimento económico. É absolutamente extraordinário dizer-se isto, ignorando que este modelo está em crise há quatro décadas. Em primeiro lugar, pela forte redução do crescimento da produtividade, desde o início dos anos 70 e particularmente desde o primeiro choque petrolífero de 1973. Em segundo lugar, pelo inverno demográfico (fruto da forte redução da taxa de natalidade e aumento continuado da esperança média de vida) que se foi instalando por toda a Europa e que, em Portugal, já era extremamente visível desde o início dos anos 80.

Segundo Costa, o recuo do modelo social europeu é uma opção ideológica da direita e não uma imposição da realidade. No entanto, praticamente todos os governos socialistas têm sido forçados a diminuir a “generosidade” daquele modelo social, com destaque mais recente para Hollande. Como é evidente, um modelo social com uma economia a crescer 5% por ano é uma coisa, mas quando a tendência de longo prazo de crescimento desce para pouco mais de 1%, é evidente que muito do que antes se poderia pagar deixa de ser sustentável.

Mesmo assim, o secretário-geral do PS português tem a fantasia de que o recuo do Estado se trata de uma mania da direita. Isso coloca-nos defronte do estereótipo de que a esquerda é geralmente atraída pelo “princípio do prazer”, enquanto a direita se sente mais comummente identificada com o outro princípio psicológico fundamental, o “princípio da realidade”. Quando o PS vê a direita empenhada em assumir a realidade, interpreta mal isso, acreditando que ela faz isto por “prazer”, esquecendo-se que quem coloca o prazer num pedestal é a esquerda. 

Quando António Costa acusa o endividamento generalizado de ser fruto da liberalização financeira, esquece que esta facilidade de crédito foi especialmente utilizada pelos governos de esquerda para tentarem resistir à realidade de que o modelo social europeu tinha que ser fortemente adaptado à alteração radical das condições económicas e demográficas. O crédito foi usado para pagar o que a economia já não conseguia, até porque o próprio crescimento começou a ser crescentemente ameaçado pelo aumento de impostos usado como substituto de reforma do estado social.

Em resumo, Costa comete o “pecado original” de imaginar que o regresso ao modelo social europeu do passado está ao virar da esquina. Isto não é verdade para as economias mais dinâmicas e muito menos para a portuguesa, que quase não cresce há 15 anos.

A partir de um mau diagnóstico, as terapias não podem deixar de constituir piedosas fantasias, como a insistência na tecla do investimento público. Mas em quê? Em mais duplicação de auto-estradas, mais rotundas?

Repetem-se as mesmas frases ocas: “Em Portugal o que é prioritário para melhorar a nossa competitividade é investir na formação, na educação, na inovação, no apoio às indústrias exportadoras.” Isto é o que já fazemos há décadas, com excepção do apoio às indústrias exportadoras, esmagadas a partir dos governos de Guterres.

No plano europeu, António Costa tem o cuidado de se distanciar quanto baste do novo governo grego, tendo percebido, como todos nós, a imprevisibilidade deste executivo.

É possível que o fortíssimo choque helénico às estruturas vigentes possa produzir algumas melhorias no modelo de governação da zona do euro. No entanto, a forma totalmente impreparada como os novos protagonistas gregos têm conduzido a situação faz com seja mais provável que ocorra um desastre, como a saída da Grécia, com graves consequências para Portugal, que é o elo mais fraco que se segue.


[Publicado no jornal “i”]

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