O programa de António
Costa baseia-se num diagnóstico errado e é muito vago nas soluções
Em entrevista ao Público,
publicada esta quinta-feira, António Costa revela – finalmente – algumas ideias
sobre o caminho que pretende seguir. Infelizmente, elas baseiam-se num
diagnóstico erróneo e são demasiado vagas em relação ao futuro.
Segundo o actual líder do PS, o modelo social europeu é a
solução para o crescimento económico. É absolutamente extraordinário dizer-se
isto, ignorando que este modelo está em crise há quatro décadas. Em primeiro
lugar, pela forte redução do crescimento da produtividade, desde o início dos
anos 70 e particularmente desde o primeiro choque petrolífero de 1973. Em
segundo lugar, pelo inverno demográfico (fruto da forte redução da taxa de
natalidade e aumento continuado da esperança média de vida) que se foi
instalando por toda a Europa e que, em Portugal, já era extremamente visível
desde o início dos anos 80.
Segundo Costa, o recuo do modelo social europeu é uma opção
ideológica da direita e não uma imposição da realidade. No entanto,
praticamente todos os governos socialistas têm sido forçados a diminuir a
“generosidade” daquele modelo social, com destaque mais recente para Hollande.
Como é evidente, um modelo social com uma economia a crescer 5% por ano é uma
coisa, mas quando a tendência de longo prazo de crescimento desce para pouco
mais de 1%, é evidente que muito do que antes se poderia pagar deixa de ser
sustentável.
Mesmo assim, o secretário-geral do PS português tem a
fantasia de que o recuo do Estado se trata de uma mania da direita. Isso
coloca-nos defronte do estereótipo de que a esquerda é geralmente atraída pelo
“princípio do prazer”, enquanto a direita se sente mais comummente identificada
com o outro princípio psicológico fundamental, o “princípio da realidade”.
Quando o PS vê a direita empenhada em assumir a realidade, interpreta mal isso,
acreditando que ela faz isto por “prazer”, esquecendo-se que quem coloca o
prazer num pedestal é a esquerda.
Quando António Costa acusa o endividamento generalizado de
ser fruto da liberalização financeira, esquece que esta facilidade de crédito
foi especialmente utilizada pelos governos de esquerda para tentarem resistir à
realidade de que o modelo social europeu tinha que ser fortemente adaptado à
alteração radical das condições económicas e demográficas. O crédito foi usado
para pagar o que a economia já não conseguia, até porque o próprio crescimento
começou a ser crescentemente ameaçado pelo aumento de impostos usado como
substituto de reforma do estado social.
Em resumo, Costa comete o “pecado original” de imaginar que
o regresso ao modelo social europeu do passado está ao virar da esquina. Isto
não é verdade para as economias mais dinâmicas e muito menos para a portuguesa,
que quase não cresce há 15 anos.
A partir de um mau diagnóstico, as terapias não podem deixar
de constituir piedosas fantasias, como a insistência na tecla do investimento
público. Mas em quê? Em mais duplicação de auto-estradas, mais rotundas?
Repetem-se as mesmas frases ocas: “Em Portugal o que é
prioritário para melhorar a nossa competitividade é investir na formação, na
educação, na inovação, no apoio às indústrias exportadoras.” Isto é o que já
fazemos há décadas, com excepção do apoio às indústrias exportadoras, esmagadas
a partir dos governos de Guterres.
No plano europeu, António Costa tem o cuidado de se
distanciar quanto baste do novo governo grego, tendo percebido, como todos nós,
a imprevisibilidade deste executivo.
É possível que o fortíssimo choque helénico às estruturas
vigentes possa produzir algumas melhorias no modelo de governação da zona do
euro. No entanto, a forma totalmente impreparada como os novos protagonistas
gregos têm conduzido a situação faz com seja mais provável que ocorra um
desastre, como a saída da Grécia, com graves consequências para Portugal, que é
o elo mais fraco que se segue.
[Publicado no jornal “i”]
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