O governo português
deveria aliar-se à Comissão Europeia e ao FMI e pressionar a Alemanha a reduzir
o seu excedente externo.
Por estas semanas, o novo governo grego tem feito as
pressões mais desastradas sobre os seus parceiros europeus, parecendo mais
empenhado em conquistar o maior número de inimigos do que em maximizar o número
de aliados. Supostamente, pretendiam recuperar soberania, mas é óbvio que não
se prepararam devidamente para tão exigente tarefa, tendo vindo a acumular uma
extraordinária sucessão de tiros no pé, cujo resultado é incerto.
O governo irlandês, apesar de mostrar um enorme cepticismo
em relação às exigências helénicas, já avisou que exige que qualquer tipo de
concessão à Grécia terá que ser estendida ao seu país. No extremo oposto, o
governo português tem-se caracterizado por uma total e excessiva subserviência
aos ditames de Berlim.
Por coincidência (ou talvez não), Vítor Bento publicou esta semana
um artigo muito importante no “Observador”, que merecia muito mais destaque do
que recebeu. Temo que estejamos mais uma vez perante aquela desgraça nacional
que José Gil identificou como “não inscrição”, que se caracteriza pelo facto de
as coisas importantes não deixarem marca. Esta “não inscrição”, mais do que um
problema de falta de inteligência, de incapacidade de distinguir o essencial do
acessório, parece constituir um problema emocional, de recalcamento e não
resolução das emoções passadas.
O referido artigo de Vítor Bento intitula-se “Eurocrise: uma
outra perspectiva” e analisa (muito bem) a crise do euro, não como uma crise de
finanças públicas, mas como uma crise de “balança de pagamentos num regime de
câmbios fixos”. Quase desde o início do euro, os países que hoje estão em crise
registaram elevadíssimos défices externos, enquanto a generalidade dos países
do Norte registou elevados excedentes.
Quando a crise rebentou, os países com elevados défices
externos foram obrigados a corrigir estes défices indirectamente, através da
austeridade, enquanto ao segundo grupo de países nada foi exigido. Como o autor
bem identifica, este é um problema clássico de assimetria na correcção de
desequilíbrios externos, em que a pressão para a diminuição dos desequilíbrios
está toda do lado dos deficitários. No entanto, um défice externo só pode
existir porque há superavits noutros países, porque o saldo externo do mundo
como um todo é necessariamente zero.
A partir daqui, distancio-me do artigo de Vítor Bento, quando
ele entra nas propostas de solução, porque defende um tipo de solução federal,
de criação de um orçamento federal. Não concordo com uma solução federal por
duas razões: por um lado, porque discordo de uma maior transferência de
soberania, defendo mesmo que deveria haver um recuo ao que já foi transferido;
por outro, porque me parece politicamente impraticável, já que a integração
europeia já cria anti-corpos há vários anos e porque os países do Norte jamais aceitarão
uma tal solução.
Dito isto, aquele artigo dá argumentos a Portugal, factuais
e sólidos, para pressionar a Alemanha a ajudar o ajustamento do Sul. O
superavit externo alemão, de 7% do PIB, é absurdamente elevado, tendo mesmo
ultrapassado o excedente externo chinês em 2014 (em termos nominais). Enquanto
este país reduziu o seu superavit de 10% do PIB em 2007 para pouco mais de 2%
do PIB, a Alemanha continua sem o ajustar.
Este elevadíssimo excedente externo alemão é mau para a zona
do euro, que sofre de um défice de procura interna e também é mau para a
economia mundial, que sofre de um mal semelhante.
Por isso, não será difícil formar uma coligação alargada de aliados
nesta pressão sobre a Alemanha, quer dentro da zona do euro, incluindo a França
e a Comissão Europeia, quer fora, incluindo o FMI.
Pede-se aos países com elevados excedentes externos (mas sem
dívidas externas significativas) que os reduzam, deixando-lhes liberdade sobre
ao forma como o pretendem alcançar, respeitando a sua soberania, mas exigindo o
seu contributo para políticas macroeconómicas coordenadas e sustentáveis para o
conjunto a zona do euro.
[Publicado no jornal“i”]
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