Este novo orçamento
rectificativo afasta-se da redução da despesa, quer estrutural quer conjuntural
O segundo orçamento rectificativo deste ano apresenta duas
características essenciais: 1) é muito menos ambicioso na consolidação
orçamental; 2) faz a consolidação do lado errado.
No orçamento original para 2014, a consolidação orçamental
deveria apoiar-se sobretudo na despesa, emendando os erros dos anos anteriores.
Neste novo orçamento rectificativo acontece exactamente o oposto.
Em primeira aproximação, poder-se-ia dizer que este novo
orçamento rectificativo está muito mais próximo do orçamento desejado pela
oposição e pelo Tribunal Constitucional (TC). Tem menos austeridade (do lado da
despesa) e mais crescimento, quer do PIB, quer do emprego. Mas é duvidoso que
estes sucessos decorram da menor austeridade.
Na verdade, há um claro fracasso na capacidade de diminuir a
despesa para além dos chamados “cortes cegos”. É o grande fracasso de Paulo
Portas, o da “reforma do Estado”.
O vice-primeiro-ministro tem toda a razão em opor-se a
aumentos de impostos em substituição de menores reduções da despesa, só não tem
autoridade moral absolutamente nenhuma para o afirmar. Foi ele que ficou com a
responsabilidade de propor medidas de redução estrutural da despesa pública,
que adiou sucessivamente, até apresentar um documento fraquíssimo, quase
risível, de “reforma do Estado”.
Os adiamentos sucessivos não decorreram de nenhuma
preocupação em produzir um documento de qualidade, nem para realizar estudos
que definissem propostas concretas, de aplicação imediata. Foram motivados –
exclusivamente – pela sua inesgotável demagogia, pelo medo de apresentar
propostas impopulares, tentando fugir às suas responsabilidades durante o
máximo tempo possível.
Sem qualquer tipo de plano alternativo, sem a menor
preocupação com o interesse nacional, Portas foi-se opondo e sabotando Vítor
Gaspar, até provocar a demissão deste.
Ainda antes disso, Passos Coelho lançou um repto – muito
pertinente – a Portas: “se não concorda com a política que está a ser seguida,
proponha uma alternativa”. A resposta do líder do CDS dificilmente poderia ter
sido mais cobarde e demagógica.
Como a saída do ministro das Finanças não alterou o curso de
consolidação orçamental, teve a reacção histérica de apresentar a sua demissão
“irrevogável”, em Julho de 2013, que o primeiro-ministro, revelando um
insuspeitado sentido de Estado, recusou.
Temos agora um executivo que abdica de mais consolidação das
contas públicas no corrente ano, pelo que pouco deverá fazer no próximo, que é
de eleições, e cujo fecho de contas poderá bem já não ser da responsabilidade
de Passos Coelho.
Tudo indica, assim, que o orçamento para 2016, o primeiro
desafio do novo governo, herde uma pesada herança de consolidação insuficiente.
É irónico que o facto do actual governo tenha sido obrigado, quer pelo TC, quer
pela sua própria incapacidade, a ter uma política orçamental mais próxima da da
oposição, isso venha a dificultar o esforço desta quando aceder ao poder.
Em resumo, este rectificativo é uma má notícia para António
Costa, se for ele o vencedor das eleições legislativas de 2015, porque fica com
uma tarefa muito mais espinhosa.
Há quem imagine que o silêncio do candidato socialista sobre
finanças públicas indica que está a guardar os trunfos que tem na manga. Julgo
que se tratará antes de uma combinação de duas coisas: não ter consciência da
gravidade da situação e não ter uma verdadeira alternativa, não querendo
reconhecer publicamente toda a austeridade que irá ser forçado a manter.
António Costa tem todas as condições – e mais algumas – para
se revelar um desastre muito maior do que Hollande. Quem é que ainda não
percebeu isto?
[Publicado no jornal “i”]
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