Falta sociedade civil,
quer para ajudar governos a fazer reformas difíceis, quer para impedir erros
crassos
Quando fui adjunto da ministra das Finanças, Manuela
Ferreira Leite, entre 2002 e 2004, a coisa que mais me chocou foi o isolamento
do governo. Mesmo quando o executivo tentava implantar uma reforma a todos os
títulos louvável, recomendada por diversas e prestigiadas instituições
internacionais, “todos” estavam contra.
Os partidos da oposição estão sempre contra, infelizmente,
mesmo que depois venham a fazer exactamente o mesmo quando chegarem ao poder.
Este é um drama nacional, que a actual conjuntura de medidas difíceis só tem
agravado. Por isso é que toda a gente diz que o próximo líder do PS (que já não
é tão óbvio que seja António Costa), se ganhar as próximas eleições (não se
consegue perceber se ganhou a das federações, porque o PS não revela os resultados),
será um novo Hollande.
As corporações atingidas por qualquer tipo de reforma
vociferam na praça pública, com a insuportável hipocrisia de dizerem que estão
a defender o “interesse público”, perante uma comunicação social que emprenha
de ouvido e que nunca contesta os óbvios interesses corporativos em causa.
O Zé Povinho, perante este espectáculo público, em que
“todos” estão contra o governo, demasiadas vezes será tentado a concluir que o
governo não tem razão. Se, em vez deste isolamento do governo, houvesse
prestigiadas instituições da sociedade civil a defender medidas na linha do
executivo, seria menos difícil fazer reformas no país. Isto também ajuda a
explicar porque é que tantas reformas são tão adiadas ou não são sequer feitas.
Demasiados governos, sabendo o que os esperaria se mexessem em certos sectores,
deixam as coisas andar até se atingir o insuportável.
Este défice de sociedade civil não só torna mais escassas as
boas medidas como torna mais abundantes as más medidas. As últimas décadas foram
recheadas de asneiras, muito aplaudidas pelos seus beneficiários, sem oposição,
à excepção de umas vozes isoladas.
Em Dezembro de 2009, ainda a crise do euro estava no adro,
escrevi um artigo no Jornal de Negócios
intitulado “Sistema bancário em risco”, (republicado no meu livro O Fim do euro em Portugal?, Editora
Actual, grupo Almedina) onde avisava que devíamos olhar para a Grécia como um
indicador avançado de Portugal, ou seja, que o que acontecesse àquele país dentro
de algum tempo aconteceria ao nosso. Não me enganei muito nesta previsão e o “jogo”
ainda não acabou.
Para meu enorme escândalo, referia aí que havia “banqueirosque aplaudem os projectos faraónicos de endividamento público (na expectativade ganhar umas comissões de financiamento), esquecendo que este endividamento (…)[irá colocar] os bancos em sério risco.” Hoje posso escrever com mais clareza:
era Ricardo Salgado a defender o TGV, uma loucura, uma irresponsabilidade, a
antecâmara do que veio a acontecer ao BES.
Julgo que o leitor não tem dúvidas que Portugal beneficiaria
claramente de ter uma sociedade civil mais interveniente, quer para ajudar a
concretizar reformas difíceis, quer para evitar erros trágicos.
A questão que se segue é quem poderia protagonizar esta
sociedade civil. Em primeiríssimo lugar colocaria as universidades que, muito
lamentavelmente, como instituições, parece que se demitiram de pensar o país.
Em segundo lugar, colocaria as fundações, cujo número e
importância tem crescido, e que poderiam ter aqui um papel mais activo. A
Gulbenkian, a mais prestigiada, poderia certamente fazer mais do que faz.
Outras poderiam ter abordagens mais sectoriais, com grande relevância.
Há ainda outras instituições, com pouco dinheiro e
visibilidade limitada. Aqui há mais problemas porque a falta de dinheiro pode
colocar em causa a independência face ao governo e a visibilidade limitada
diminui o impacto que a tomada de posições destas instituições possa ter.
Haverá possivelmente outras soluções para um problema
evidente: precisamos de uma sociedade civil mais forte para termos um governo
melhor.
Falta pouco mais de um ano para as próximas eleições
legislativas, teme-se um gigantesco desfile de eleitoralismo, um período em que
mais vamos sentir a falta de força da sociedade civil.
[Publicado no jornal “i”]
1 comentário:
Até temos sociedade civil. Nos sítios errados. A propósito deste tema hoje publiquei a história dos três porquinhos: http://terrabipolar.blogspot.pt/2014/09/os-tres-porquinhos.html
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