A correcção dos défices externos dos países periféricos não
está a ser acompanhada de uma correcção simétrica dos superavits externos dos
Estados mais fortes, que ocorreria, num grau significativo, se cada país
mantivesse a sua própria moeda.
O excessivo superavit externo daí resultante para a zona do
euro como um todo tem conduzido à apreciação do euro que, por seu turno, tem
agravado os riscos de deflação. Como os países com margem para uma expansão
orçamental, sobretudo a Alemanha, não têm querido usar essa folga, parece que
teremos que recorrer a uma expansão monetária para corrigir a escassez de
procura interna da zona do euro. Mas, como estamos numa situação clássica de
“armadilha da liquidez”, com a taxa de juro de referência quase a zero, a
eficácia da política monetária é muito inferior à da política orçamental.
Por pura teimosia moralista dos países do Norte da Europa,
em vez de usarmos o instrumento mais eficaz, teremos que utilizar o instrumento
mais débil.
O BCE já deu indicações de que estaria a ponderar uma
política de expansão quantitativa, envolvendo a compra significativa de
obrigações, públicas e privadas, em moldes ainda não definidos. Antecipando
estas sugestões, os mercados têm vindo a fazer descer, de forma generalizada,
as taxas de juro das obrigações de dívida soberana, mesmo a dos países mais
afligidos pela crise.
Como estas taxas de juro têm sido o termómetro da crise do
euro, estamos a assistir a um claro recuo dos sintomas daquela crise. É mesmo
provável que nos próximos meses venhamos a testemunhar uma continuação da redução
destes sintomas. A própria Grécia, que tem as suas necessidades de
financiamento asseguradas pela troika
até 2023, já conseguiu voltar a financiar-se no mercado, apesar de ter um
dívida pública de quase 180% do PIB, praticamente insustentável.
Todas estas boas notícias, aliadas à proverbial miopia dos
mercados financeiros, demasiado focados no curto prazo, têm todas as condições
para criar dois graves riscos: a ilusão e a complacência.
É altamente provável que se instale a ilusão de que a crise
do euro está a chegar ao fim. Esta ilusão tem todas as condições para
sedimentar a crença fantasiosa de que estamos a chegar a um novo “bom”
equilíbrio, gerador de auto-concretização de expectativas, com redução
sucessiva das taxas de juro de longo prazo.
O problema da complacência reside na ideia, junto dos
principais actores políticos, de que tudo está bem e que novas reformas
estruturais na arquitectura do euro – absolutamente essenciais – são, afinal,
dispensáveis.
Estas reformas, politicamente dificílimas, ficarão mais
longe, e a sobrevivência a médio prazo do euro ficará mais ameaçada.
Estamos, assim, perante um presente envenenadíssimo: quanto
mais os sintomas da crise recuarem, mais longe estaremos de construir uma
solução duradoura para o euro.