quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Programa cautelar

Seria uma total irresponsabilidade o governo e o PS não apoiarem a negociação de um programa cautelar.

A execução orçamental de 2013 acabou por correr melhor do que o esperado por todos, inclusive o governo, e os sinais consistentes de recuperação económica estão a dar um novo alento ao executivo.

As sondagens sobre as eleições europeias de Maio poderão ainda dar mais ânimo ao executivo, tendo em atenção os dados até agora conhecidos. O BE parece estar a multiplicar-se, o que poderá enfraquecer o PS. A demagogia de Marinho Pinto, tão do agrado do eleitorado português e a principal responsável pelas três quase bancarrotas da 3ª República, poderá também fazer mossa nesse partido, bem como nos da maioria. A questão central é que, com a dose cavalar de austeridade e desemprego, o governo deveria ter um resultado fraquíssimo, mas até as poderá ganhar. Temo que tudo isto faça o executivo, mais uma vez, perder a cabeça e esquecer que o país precisa de um acordo entre o governo e o PS.

A decisão irlandesa de não requerer um programa cautelar após o programa de ajuda colocou um problema político ao governo português, sobretudo porque a política em Portugal parece ser uma brincadeira de miúdos mal-educados, que só estão interessados em fazer trapaça para ganharem no jogo do berlinde, sendo a coisa mais afastada do interesse do país.

Se o PS estivesse interessado no interesse de Portugal e dos portugueses, deveria estar do lado do governo e apresentar uma posição conjunta face aos mercados no pós-troika. A falta de acordo do PS, colocará o país numa situação muitíssimo mais frágil para colocar emissões de obrigações no mercado, muitas das quais com prazos de maturidade de dez anos. Qual é o investidor que colocará o seu dinheiro neste país num tal prazo, sem o mínimo de garantias?

Em segundo lugar, o PS deveria estar caladíssimo em relação ao programa cautelar, apoiar o governo nessa escolha e não vir com conversas que este programa demonstraria um fracasso do governo. Portugal tem uma dívida pública de 130% do PIB e uma dívida externa de mais de 110% do PIB. Ou seja, quase toda a dívida pública portuguesa está na mão de investidores estrangeiros e será arriscadíssimo manter-mo-nos dependentes destes investidores sem uma rede de segurança. 

Se a dívida pública estivesse sobretudo em mãos nacionais, como é o caso da Irlanda e de Itália, os riscos seriam muito menores, porque dificilmente os investidores nacionais a trocariam pela de outros países. No caso português é completamente diferente: nenhum investidor estrangeiro precisa de comprar dívida portuguesa se não quiser. Por isso, arriscar ir aos mercados sem um programa cautelar é pura irresponsabilidade.

Para além disso, se Portugal tem uma dívida pública e externa tão elevadas “deve-o”, essencialmente, aos governos do PS que estiveram no poder quase todo o tempo entre 1995 e 2011. Se o PS é o principal responsável pelas fragilidades nacionais que nos vão empurrar para um programa cautelar, seria o cúmulo da desfaçatez vir acusar o governo de fracasso ao recorrer a este “cinto de segurança”.

É preciso também recordar que, apesar de as taxas de juro de longo prazo na zona do euro estarem em valores mínimos, nenhum dos problemas estruturais do euro está resolvido. Por isso, é perfeitamente possível que, poucos meses após a conclusão do programa inicial com a troika a crise do euro possa regressar “com uma vingança”. Tal como estamos agora a beneficiar de condições extremamente favoráveis por factores externos, também podemos vir a sofrer de um fenómeno oposto, mesmo que nos estejamos a portar muito bem. Por isso, também, devemos recorrer a um programa cautelar.

Há quem proteste contra o programa cautelar, porque isso seria ficarmos mais tempo sob observação internacional. Mas, meus caros, é evidente que vamos ficar sob o olhar do exterior, quanto mais não seja dos investidores e das agências de rating. Vamos ter que prosseguir a austeridade (que, no Estado, praticamente ainda não começou), quer queiramos quer não. Ter um programa cautelar pode mesmo emprestar credibilidade ao nosso compromisso e diminuir os custos de financiamento, aliviando a própria austeridade. 


[Publicado no jornal “i”]

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