Economistas do BE
defendem a saída do euro, mais com argumentos políticos do que económicos
Três economistas do Bloco de Esquerda, Alexandre Abreu, João
Rodrigues e Nuno Teles, publicaram “Um guião político para as Europeias de 2014”,
que não reflecte a opinião da direcção do partido.
Desde logo se saúdam dois factos. O primeiro é a divulgação
de um documento com alguma reflexão relevante sobre a situação em que o país se
encontra, que não é o vazio ou a conversa oca que impera nos partidos
portugueses, de uma ponta à outra. O segundo aspecto é a emergência de um
pensamento divergente do da direcção do BE, um partido onde não parecia existir
muita democracia interna.
No entanto, este texto começa com um problema de base: não
assumir as responsabilidades nacionais na nossa condição presente. “Os
constrangimentos europeus, que acompanharam a integração europeia nacional,
foram acentuados após Maastricht (…) A imposição política externa permanente,
que entretanto se gerou, tornou o nosso país num protetorado em agudo
empobrecimento”.
Ninguém nos obrigou a ter uma dívida externa das maiores do
mundo (praticamente inexistente em 1995), nem uma das maiores dívidas públicas
da UE. Foram as más escolhas de sucessivos governos que nos colocaram numa
situação de endividamento excessivo que, esse sim, nos colocou numa situação de
protectorado, por termos ficado dramaticamente dependentes de financiamento
externo.
Ignorar as nossas responsabilidades sobre a nossa condição
actual é, para além de errado no plano técnico, deplorável em termos éticos.
“O problema maior da economia portuguesa foi, desde o final
dos anos noventa, a sua progressiva perda de competitividade externa no quadro
do Euro”. Estranhamente, esta perda de competitividade parece que caiu do céu
e, segundo os autores, não resultou de nenhuma "irresponsabilidade
orçamental" que, ainda de acordo com estes economistas, nunca teria tido
lugar.
Apresentam também uma – levíssima – inconsistência lógica,
ao afirmarem, em simultâneo, não ter havido um “viver acima das possibilidades”
mas termos “uma das maiores dívidas externas do mundo”. Como é possível
acumular uma dívida externa tão elevada sem viver acima das possibilidades?
Passando para as soluções, saúda-se o realismo de perceber que
“A evolução política recente e a permanente e crescente divergência económica
entre países implicam uma profunda consciencialização das dificuldades de um
programa federalista que, sendo intelectualmente coerente, carece de bases
económicas e sobretudo políticas para
responder à urgência de uma crise socioeconómica sem paralelo nos países
periféricos” (meu itálico).
Descrentes de uma solução federal, propõem a saída do euro
“essencial não só a fim de proceder a uma desvalorização cambial promotora da
competitividade-preço da produção nacional, mas sobretudo com vista à
recuperação dos instrumentos necessários à prossecução de uma política por
parte do Estado favorável aos trabalhadores e classes populares.” É de pasmar
que, tal como eu, estes economistas defendam a necessidade de uma
desvalorização para recuperar a competitividade e não as balelas da inovação e
da produtividade.
Apresentam-se minimamente cientes dos problemas, “é uma
opção com custos e riscos. A desvalorização cambial traduzir-se-á num aumento
da inflação (por via da componente importada da despesa), no aumento real da
dívida externa e em ruturas potenciais no sistema de pagamentos.”
Em minha opinião, não escamoteando por completo os
problemas, pintam um cenário demasiado idílico da saída do euro. Falam em
proteger os pequenos aforradores, mas não se imagina com que meios, dada a
pesadíssima carga que se abaterá sobre a dívida pública, para além do efeito
penalizador da inflação.
Em relação aos salários reais (corrigidos pela inflação),
prevêem uma queda, para depois se entaramelarem nuns considerandos que tentam
minorar esta previsão, terrível para o seu próprio eleitorado e para qualquer
hipótese de sucesso político da sua proposta.
Apesar de continuar a prever o fim do euro, considero
improvável que Portugal saia pelo seu próprio pé. Nem a direcção do BE pretende
tomar a iniciativa de um tal passo, cujas nefastas consequências lhe traria um
brutal custo político.
[Publicado no jornal “i”]
2 comentários:
É óbvio que a saída do Euro será catastrófica e será sem a ajuda de ninguém. Mas continuar no Euro será ainda pior. Quando nos dizem que levaremos 15 anos a recuperar o que se deve perguntar é se o país resistirá 15 anos a definar? Portugal e os portugueses.
Esta pretensa critica ao manifesto anti-euro é irrelevante. O problema é outro, deixar a posição realista do abandono do Euro nas mãos da direita.
Já agora, se o PIB português continuasse a crescer como estava a crescer antes de começar a caminhada para o Euro, a nossa dívida, mesmo se tivesse crescido como cresceu, seria pouco superior aos 60% permitidos por Maastricht.
"O segundo aspecto é a emergência de um pensamento divergente do da direcção do BE, um partido onde não parecia existir muita democracia interna."
Tirando a primeira convenção do Bloco, em todas as outras houve listas de oposição, primeira a Louçã, e depois a Semedo/Catarina. Ou seja, sempre existiram "pensamentos divergentes" dentro do BE (talvez esses opositores internos é que não tivessem tanto acesso aos media como estes três que apareceram agora).
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