As últimas boas
notícias sobre a crise do euro não devem fazer esquecer que nada de estrutural
está resolvido
Nos últimos tempos temos assistido a várias boas notícias
sobre a crise do euro. A Irlanda tornou-se o primeiro país a concluir o
programa de ajuda, com sucesso, e sem requerer um programa cautelar, que
poderia ajudar o país no acesso a financiamento.
Portugal poderá estar a alguns meses de concluir o primeiro
programa de ajuda, havendo alguns ingénuos que imaginam que ficaremos por aqui.
Dado o nível que atingiu a nossa dívida pública, quase 130% do PIB, parece-me
duvidoso que possamos dispensar um segundo programa de ajuda.
Mas a melhor notícia poderá ser considerada a queda
generalizada e significativa das taxas de juro de longo prazo, que desceram
abaixo de 4% em Itália e Espanha, e abaixo de 5,5% em Portugal. Esta diminuição
das taxas de juro facilita o acesso ao mercado dos diversos Estados e coloca a
necessidade de recurso a programas de ajuda mais longe.
No entanto, todas estas boas notícias não devem gerar
qualquer tipo de ilusões, de que tudo está bem na zona do euro. É importante
recordar que nenhum problema estrutural foi, até agora, resolvido, e que não se
vislumbra nenhuma hipótese de algum o vir a ser. Para além disso, em 2014
teremos várias dificuldades que poderão dissipar as boas notícias recentes.
Por um lado, temos que ter em atenção que as eleições
europeias de Maio se preparam para eleger o maior contingente de eurodeputados
anti-euro e anti-UE. Como já vimos em outras matérias, é muito natural que isso
leve os partidos do centro a adoptar uma forma mais ou menos mitigada daquelas
posições mais radicais, numa tentativa de minimizar os estragos eleitorais.
Esta evolução, ainda que não produza efeitos radicais, deverá minar a
credibilidade das instituições europeias, incluindo do euro.
Mais grave se antecipa a aguardada decisão do tribunal
constitucional alemão sobre o programa do BCE de Transacções Monetárias
Definitivas (Outright Monetary
Transactions, OMT), de compra de obrigações soberanas dos países em dificuldades,
desde que estes estejam sujeitos a “rigorosa e efectiva condicionalidade”.
Decidido no Verão de 2012, este programa tem sido o principal responsável pela
diminuição das taxas de juro de longo na zona do euro, sendo a concretização da
promessa do presidente do BCE de fazer tudo o que fosse necessário para evitar
um colapso da zona do euro.
Na verdade, este programa tem um lado maravilhoso: bastou a
promessa de intervenção para não ser necessário qualquer tipo de intervenção.
Anteriormente, o BCE intervinha directamente, comprando quantias gigantescas de
obrigações, uma operação altamente arriscada. Quando passou a haver a
possibilidade de recorrer a um mecanismo oficial ilimitado, o OMT, isso
eliminou por completo, até hoje, qualquer necessidade de intervenção.
No entanto esta maravilha não poderia durar sempre, já que o
Bundesbank sempre se opôs a ela. No Verão de 2013, um grupo de cidadãos resolveu
mesmo pedir ao tribunal constitucional alemão que a considerasse
inconstitucional. Dado que a aplicação desta medida pode criar custos para o
contribuinte, é como se fosse equivalente à criação de um imposto, sem que o
parlamento alemão se tenha pronunciado sobre o assunto.
Se esta promessa do BCE for considerada inconstitucional na
Alemanha, e há razões para suspeitar que isso venha a acontecer, ninguém
confiará mais nela e os mercados não perderão tempo a testar o bluff do BCE.
Esta novidade tem um forte potencial de nos fazer recuar no
tempo mais de dois anos, quando Espanha e Itália estiveram à beira do abismo. O
problema maior é, justamente, Itália, cuja dívida pública não tem deixado de
subir desde então e cuja instabilidade política é permanente.
Ou seja, a acalmia presente pode bem desvanecer-se nos
próximos meses e então todos serão forçados a tomar consciência que a crise do
euro nunca esteve resolvida.
[Publicado no jornal “i”]
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