As sociedades com
elevada distância ao poder, como a portuguesa, geram irresponsabilidade e
impotência
Segundo o antropólogo Geert Hofstede (Cultures and organizations, 1991) um dos traços culturais mais
importantes de um país é a distância do poder, definida como “a extensão com
que os dos membros menos poderosos das instituições e organizações dentro de um
país esperam e aceitam que o poder seja distribuído desigualmente”. Um dos
elementos chave desta definição é o “aceitam”, que revela o grau com que esta
desigualdade é aceite.
A elevada distância ao poder, característica dos países
latinos (e católicos), gera, para além de muitas outras consequências referidas
por Hofstede, também duas outras consequências, que me permito acrescentar:
irresponsabilidade e impotência.
A aceitação de uma elevada distância ao poder implica uma
elevada transferência do poder pessoal para as figuras de autoridade, quaisquer
que elas sejam: pais, professores (aqui há outras questões complexas, que não
vou analisar), chefes no emprego, terapeutas, etc.
Julgo que todas estas questões são agravadas em Portugal
pelo baixíssimo nível geral de escolaridade e pela elevada consideração social
pelos títulos académicos, mais um sinal da tal distância ao poder.
Nestes países, as pessoas sentem-se com pouco poder, que
aceitam que esteja muito concentrado naqueles que estão hierarquicamente acima.
Há uma programação mental inconsciente, que realiza uma muito forte
transferência de poder para os que estão acima.
Sentindo-se com pouco poder sobre si próprias, sentem-se
ainda com menos poder sobre as questões colectivas. A baixa formação académica
reforça isto, passando para “eles” a responsabilidade de pensar e encontrar
soluções.
Há aqui uma componente objectiva, de baixa formação e de um
débil desenvolvimento cognitivo, mas que não esgota a questão. Há inúmeras
pessoas com formação superior que pensam e sentem que “eles” é que têm que
pensar e construir soluções.
De tudo isto, resulta o tal par de consequências: impotência
e irresponsabilidade. A formatação inconsciente, passada de geração em geração,
de transferência do poder pessoal para os poderosos, gera, naturalmente,
impotência. Depois de – inconscientemente, sublinho – abdicarem do seu próprio
poder natural, a consequência óbvia é a impotência. O não ser capaz, também o
“não ter direito a”, decorrem obviamente disso.
Este efeito, extremamente negativo, da impotência, traz
consigo, no entanto, um benefício: a irresponsabilidade, sobretudo nas matérias
de âmbito colectivo. Se eu não sinto, sequer, qualquer tipo de influência sobre
as decisões sobre o colectivo, então eu também não sinto qualquer
responsabilidade sobre as questões colectivas.
Este excesso de distância ao poder também tem tendência a
gerar chefes medíocres e desonestos, pela falta de contestação ao seu poder.
Parece-vos que isto tem alguma coisa a ver com a experiência portuguesa das
últimas décadas?
Voltando agora para Hofstede, é interessante referir que
este autor identifica uma elevada distância ao poder como produzindo uma
resposta bipolar: os subordinados respondem ou preferindo dependência ou
rejeitando-a inteiramente, num fenómeno de contradependência, que seria uma
dependência com sinal negativo.
Estes são aqueles que contestam o poder, mas dependem do
poder porque vivem da contestação. Muito dificilmente fazem propostas
alternativas, porque o seu papel é ser do contra. Quando fazem propostas
concretas elas caracterizam-se pelo total irrealismo, uma outra forma de
irresponsabilidade. Estão a ver alguém a quem caiba esta carapuça?
Uma sociedade de impotentes é a receita ideal para a
infelicidade pessoal. Uma sociedade de irresponsáveis é o condimento supremo
para a asneira colectiva.
[Publicado no jornal "i"]
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