quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Riscos

Este início de 2014 tem sido especialmente favorável, quer na frente externa, quer interna, o que poderá estar a criar um optimismo pouco justificado.

As taxas de juro de longo na zona do euro têm vindo a cair sucessivamente, sugerindo um ambiente favorável, mas a verdade é que nenhuma reforma estrutural do euro foi, até agora, aprovada e as que o foram são manifestamente insuficientes, como é o caso da união bancária. Há vários riscos para os próximos meses, que poderão desfazer o optimismo actual.

O Tribunal Constitucional alemão pode decidir contra o programa do BCE que tem acalmado os mercados obrigacionistas, destruindo todo o efeito deste. As eleições europeias de Maio deverão produzir o maior grupo parlamentar anti-UE e anti-euro, que poderão forçar os partidos do centro a apoderarem-se de certas agendas mais radicais, insuflando receios sobre o futuro do euro. Mais para o final do ano, esperam-se os testes de stress da banca, que poderão conduzir a mais ajudas públicas, reforçando os riscos de contágio entre a banca e a dívida pública.

Em data mais incerta, poderá ocorrer o segundo perdão à dívida grega, envolvendo necessariamente os credores oficiais, que corresponderá a passar a linha vermelha entre empréstimos e ajuda, podendo fomentar o pânico da muito detestada, sobretudo na Alemanha, união de transferências. Ultrapassar esta linha também pode fazer recrudescer as suspeitas sobre a sustentabilidade do euro.

No plano interno, a boa execução orçamental de 2013, os sinais crescentes de retoma económica e de queda do desemprego justificam algum optimismo, mas é de evitar qualquer euforia sobre a não necessidade de um programa externo cautelar.

Com uma dívida pública de quase 130% do PIB e uma dívida externa de mais de 110% do PIB estamos e continuaremos a estar fortemente dependentes dos investidores externos, num grau muitíssimo superior à Irlanda, pelo que seria uma imprudência tentar prosseguir a consolidação orçamental sem uma rede de segurança.

Para além disso, sem programa cautelar há o risco de o Estado ficar muito dependente do financiamento da banca portuguesa que, assim, poderá ser forçada a cortar o financiamento à economia, travando a própria recuperação em curso.

Para além disso, temos ainda os riscos políticos. Um dos obstáculos ao financiamento público português prende-se com a falta de um consenso político alargado sobre o programa de ajustamento que terá que se prolongar ainda por muitos anos. O governo desperdiçou, de forma absurda, o facto de ter sido o PS a assinar o memorando com a troika e tem mostrado uma grande dificuldade em emendar a mão.

Se, como as sondagens indicam, o PS perder as eleições europeias, António José Seguro deverá ser rapidamente contestado e corre-se o risco de passarmos a ter um PS ainda mais longe do actual executivo, agravando as actuais condições de falta de consenso político e de dificuldades de financiamento.


[Publicado no Jornal de Negócios]

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Programa cautelar

Seria uma total irresponsabilidade o governo e o PS não apoiarem a negociação de um programa cautelar.

A execução orçamental de 2013 acabou por correr melhor do que o esperado por todos, inclusive o governo, e os sinais consistentes de recuperação económica estão a dar um novo alento ao executivo.

As sondagens sobre as eleições europeias de Maio poderão ainda dar mais ânimo ao executivo, tendo em atenção os dados até agora conhecidos. O BE parece estar a multiplicar-se, o que poderá enfraquecer o PS. A demagogia de Marinho Pinto, tão do agrado do eleitorado português e a principal responsável pelas três quase bancarrotas da 3ª República, poderá também fazer mossa nesse partido, bem como nos da maioria. A questão central é que, com a dose cavalar de austeridade e desemprego, o governo deveria ter um resultado fraquíssimo, mas até as poderá ganhar. Temo que tudo isto faça o executivo, mais uma vez, perder a cabeça e esquecer que o país precisa de um acordo entre o governo e o PS.

A decisão irlandesa de não requerer um programa cautelar após o programa de ajuda colocou um problema político ao governo português, sobretudo porque a política em Portugal parece ser uma brincadeira de miúdos mal-educados, que só estão interessados em fazer trapaça para ganharem no jogo do berlinde, sendo a coisa mais afastada do interesse do país.

Se o PS estivesse interessado no interesse de Portugal e dos portugueses, deveria estar do lado do governo e apresentar uma posição conjunta face aos mercados no pós-troika. A falta de acordo do PS, colocará o país numa situação muitíssimo mais frágil para colocar emissões de obrigações no mercado, muitas das quais com prazos de maturidade de dez anos. Qual é o investidor que colocará o seu dinheiro neste país num tal prazo, sem o mínimo de garantias?

Em segundo lugar, o PS deveria estar caladíssimo em relação ao programa cautelar, apoiar o governo nessa escolha e não vir com conversas que este programa demonstraria um fracasso do governo. Portugal tem uma dívida pública de 130% do PIB e uma dívida externa de mais de 110% do PIB. Ou seja, quase toda a dívida pública portuguesa está na mão de investidores estrangeiros e será arriscadíssimo manter-mo-nos dependentes destes investidores sem uma rede de segurança. 

Se a dívida pública estivesse sobretudo em mãos nacionais, como é o caso da Irlanda e de Itália, os riscos seriam muito menores, porque dificilmente os investidores nacionais a trocariam pela de outros países. No caso português é completamente diferente: nenhum investidor estrangeiro precisa de comprar dívida portuguesa se não quiser. Por isso, arriscar ir aos mercados sem um programa cautelar é pura irresponsabilidade.

Para além disso, se Portugal tem uma dívida pública e externa tão elevadas “deve-o”, essencialmente, aos governos do PS que estiveram no poder quase todo o tempo entre 1995 e 2011. Se o PS é o principal responsável pelas fragilidades nacionais que nos vão empurrar para um programa cautelar, seria o cúmulo da desfaçatez vir acusar o governo de fracasso ao recorrer a este “cinto de segurança”.

É preciso também recordar que, apesar de as taxas de juro de longo prazo na zona do euro estarem em valores mínimos, nenhum dos problemas estruturais do euro está resolvido. Por isso, é perfeitamente possível que, poucos meses após a conclusão do programa inicial com a troika a crise do euro possa regressar “com uma vingança”. Tal como estamos agora a beneficiar de condições extremamente favoráveis por factores externos, também podemos vir a sofrer de um fenómeno oposto, mesmo que nos estejamos a portar muito bem. Por isso, também, devemos recorrer a um programa cautelar.

Há quem proteste contra o programa cautelar, porque isso seria ficarmos mais tempo sob observação internacional. Mas, meus caros, é evidente que vamos ficar sob o olhar do exterior, quanto mais não seja dos investidores e das agências de rating. Vamos ter que prosseguir a austeridade (que, no Estado, praticamente ainda não começou), quer queiramos quer não. Ter um programa cautelar pode mesmo emprestar credibilidade ao nosso compromisso e diminuir os custos de financiamento, aliviando a própria austeridade. 


[Publicado no jornal “i”]

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Irresponsabilidade e impotência

As sociedades com elevada distância ao poder, como a portuguesa, geram irresponsabilidade e impotência

Segundo o antropólogo Geert Hofstede (Cultures and organizations, 1991) um dos traços culturais mais importantes de um país é a distância do poder, definida como “a extensão com que os dos membros menos poderosos das instituições e organizações dentro de um país esperam e aceitam que o poder seja distribuído desigualmente”. Um dos elementos chave desta definição é o “aceitam”, que revela o grau com que esta desigualdade é aceite.

A elevada distância ao poder, característica dos países latinos (e católicos), gera, para além de muitas outras consequências referidas por Hofstede, também duas outras consequências, que me permito acrescentar: irresponsabilidade e impotência.

A aceitação de uma elevada distância ao poder implica uma elevada transferência do poder pessoal para as figuras de autoridade, quaisquer que elas sejam: pais, professores (aqui há outras questões complexas, que não vou analisar), chefes no emprego, terapeutas, etc.

Julgo que todas estas questões são agravadas em Portugal pelo baixíssimo nível geral de escolaridade e pela elevada consideração social pelos títulos académicos, mais um sinal da tal distância ao poder.

Nestes países, as pessoas sentem-se com pouco poder, que aceitam que esteja muito concentrado naqueles que estão hierarquicamente acima. Há uma programação mental inconsciente, que realiza uma muito forte transferência de poder para os que estão acima.

Sentindo-se com pouco poder sobre si próprias, sentem-se ainda com menos poder sobre as questões colectivas. A baixa formação académica reforça isto, passando para “eles” a responsabilidade de pensar e encontrar soluções.

Há aqui uma componente objectiva, de baixa formação e de um débil desenvolvimento cognitivo, mas que não esgota a questão. Há inúmeras pessoas com formação superior que pensam e sentem que “eles” é que têm que pensar e construir soluções.

De tudo isto, resulta o tal par de consequências: impotência e irresponsabilidade. A formatação inconsciente, passada de geração em geração, de transferência do poder pessoal para os poderosos, gera, naturalmente, impotência. Depois de – inconscientemente, sublinho – abdicarem do seu próprio poder natural, a consequência óbvia é a impotência. O não ser capaz, também o “não ter direito a”, decorrem obviamente disso.

Este efeito, extremamente negativo, da impotência, traz consigo, no entanto, um benefício: a irresponsabilidade, sobretudo nas matérias de âmbito colectivo. Se eu não sinto, sequer, qualquer tipo de influência sobre as decisões sobre o colectivo, então eu também não sinto qualquer responsabilidade sobre as questões colectivas.

Este excesso de distância ao poder também tem tendência a gerar chefes medíocres e desonestos, pela falta de contestação ao seu poder. Parece-vos que isto tem alguma coisa a ver com a experiência portuguesa das últimas décadas?

Voltando agora para Hofstede, é interessante referir que este autor identifica uma elevada distância ao poder como produzindo uma resposta bipolar: os subordinados respondem ou preferindo dependência ou rejeitando-a inteiramente, num fenómeno de contradependência, que seria uma dependência com sinal negativo.

Estes são aqueles que contestam o poder, mas dependem do poder porque vivem da contestação. Muito dificilmente fazem propostas alternativas, porque o seu papel é ser do contra. Quando fazem propostas concretas elas caracterizam-se pelo total irrealismo, uma outra forma de irresponsabilidade. Estão a ver alguém a quem caiba esta carapuça?

Uma sociedade de impotentes é a receita ideal para a infelicidade pessoal. Uma sociedade de irresponsáveis é o condimento supremo para a asneira colectiva.

Se queremos mudar isto precisamos, em primeiro lugar, de tomar consciência da existência desta elevada distância ao poder em Portugal e dos seus nefastos efeitos. Em segundo lugar, precisamos de alterar tudo o que a promove, como a excessiva protecção legal dos chefes face a críticas de subordinados, a excessiva protecção dos corruptos face aos denunciantes, etc. 

[Publicado no jornal "i"

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Ilusões do euro

As últimas boas notícias sobre a crise do euro não devem fazer esquecer que nada de estrutural está resolvido

Nos últimos tempos temos assistido a várias boas notícias sobre a crise do euro. A Irlanda tornou-se o primeiro país a concluir o programa de ajuda, com sucesso, e sem requerer um programa cautelar, que poderia ajudar o país no acesso a financiamento.

Portugal poderá estar a alguns meses de concluir o primeiro programa de ajuda, havendo alguns ingénuos que imaginam que ficaremos por aqui. Dado o nível que atingiu a nossa dívida pública, quase 130% do PIB, parece-me duvidoso que possamos dispensar um segundo programa de ajuda.

Mas a melhor notícia poderá ser considerada a queda generalizada e significativa das taxas de juro de longo prazo, que desceram abaixo de 4% em Itália e Espanha, e abaixo de 5,5% em Portugal. Esta diminuição das taxas de juro facilita o acesso ao mercado dos diversos Estados e coloca a necessidade de recurso a programas de ajuda mais longe.

No entanto, todas estas boas notícias não devem gerar qualquer tipo de ilusões, de que tudo está bem na zona do euro. É importante recordar que nenhum problema estrutural foi, até agora, resolvido, e que não se vislumbra nenhuma hipótese de algum o vir a ser. Para além disso, em 2014 teremos várias dificuldades que poderão dissipar as boas notícias recentes.

Por um lado, temos que ter em atenção que as eleições europeias de Maio se preparam para eleger o maior contingente de eurodeputados anti-euro e anti-UE. Como já vimos em outras matérias, é muito natural que isso leve os partidos do centro a adoptar uma forma mais ou menos mitigada daquelas posições mais radicais, numa tentativa de minimizar os estragos eleitorais. Esta evolução, ainda que não produza efeitos radicais, deverá minar a credibilidade das instituições europeias, incluindo do euro.

Mais grave se antecipa a aguardada decisão do tribunal constitucional alemão sobre o programa do BCE de Transacções Monetárias Definitivas (Outright Monetary Transactions, OMT), de compra de obrigações soberanas dos países em dificuldades, desde que estes estejam sujeitos a “rigorosa e efectiva condicionalidade”. Decidido no Verão de 2012, este programa tem sido o principal responsável pela diminuição das taxas de juro de longo na zona do euro, sendo a concretização da promessa do presidente do BCE de fazer tudo o que fosse necessário para evitar um colapso da zona do euro.

Na verdade, este programa tem um lado maravilhoso: bastou a promessa de intervenção para não ser necessário qualquer tipo de intervenção. Anteriormente, o BCE intervinha directamente, comprando quantias gigantescas de obrigações, uma operação altamente arriscada. Quando passou a haver a possibilidade de recorrer a um mecanismo oficial ilimitado, o OMT, isso eliminou por completo, até hoje, qualquer necessidade de intervenção.

No entanto esta maravilha não poderia durar sempre, já que o Bundesbank sempre se opôs a ela. No Verão de 2013, um grupo de cidadãos resolveu mesmo pedir ao tribunal constitucional alemão que a considerasse inconstitucional. Dado que a aplicação desta medida pode criar custos para o contribuinte, é como se fosse equivalente à criação de um imposto, sem que o parlamento alemão se tenha pronunciado sobre o assunto.

Se esta promessa do BCE for considerada inconstitucional na Alemanha, e há razões para suspeitar que isso venha a acontecer, ninguém confiará mais nela e os mercados não perderão tempo a testar o bluff do BCE.

Esta novidade tem um forte potencial de nos fazer recuar no tempo mais de dois anos, quando Espanha e Itália estiveram à beira do abismo. O problema maior é, justamente, Itália, cuja dívida pública não tem deixado de subir desde então e cuja instabilidade política é permanente.

Ou seja, a acalmia presente pode bem desvanecer-se nos próximos meses e então todos serão forçados a tomar consciência que a crise do euro nunca esteve resolvida.
  

[Publicado no jornal “i”]

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Novo governo alemão

O novo governo alemão não deverá mudar a sua posição sobre o euro

1. Após as eleições legislativas na Alemanha, a 22 de Setembro último, foram necessários quase três meses de negociações para se chegar a um novo governo. O anterior líder dos socias-democratas demitiu-se durante o impasse e Sigmar Gabriel tomou o seu lugar, sendo agora vice-chanceler.

As negociações levaram mais tempo do que o comum, porque o novo presidente do SPD decidiu dar aos militantes do seu partido a oportunidade de votar sobre o acordo de coligação. Os membros deste partido acabaram por o aprovar, com uma maioria de 75%.

O SPD conseguiu algumas concessões por parte dos democratas cristãos, que Angela Merkel não parece ter tido dificuldade em fazer aceitar dentro do seu partido, tais como a criação de um salário mínimo nacional.

O capítulo sobre política europeia no tratado da coligação não é muito inspirador. Os subscritores dizem que mantêm um forte compromisso com a UE e o euro, mas dificilmente poderiam dizer outra coisa.
Tal como no resto do texto, e daí a sua fácil aprovação pelo SPD, os conflitos entre objectivos são tratados segundo a máxima: “é preferível ser rico e com saúde do que pobre e doente”. Querem consolidação orçamental; e crescimento. Uma Europa mais forte; e subsidiariedade. Mais solidariedade; desde que os países assumam responsabilidade pelos seus próprios problemas.

Julgo que a questão essencial é que a Alemanha não está mesmo disponível para uma união de transferências, seja qual for a forma em que esta venha mascarada.

Entendo que existe um enorme equívoco em todos aqueles que olham para uma Alemanha imperialista, que tudo fará para mandar nos outros países. O verdadeiro objectivo da Alemanha é não pagar a factura dos outros, exausta da factura da reunificação. Se Merkel é – e continuará a ser – exigente sobre as contas públicas dos outros, é-o não pelo desejo de mandar, mas pelo desejo de não pagar.

Isto significa também que a Alemanha continuará firmemente contra as reformas estruturais que são essenciais para a sobrevivência a médio prazo do euro. Podem continuar iludidos com a aparente calmaria que domina a crise do euro, mas não há uma única reforma estrutural que tenha sido tomada até hoje e não parece haver condições políticas para que estas sejam aprovadas no futuro. Há aqueles que, ainda assim, têm a esperança de que, chegada a hora, as medidas serão tomadas. O problema é que os líderes europeus só perceberão que a “hora” chegou, quando ela surgir sob a forma de um tsunami financeiro, perante o qual eles se estarão impotentes. Quando se aperceberem que já não podem adiar as decisões já será tarde demais.

2. Apesar de não ser apreciador de futebol, só assistindo a alguns jogos com a selecção nacional, surpreendi-me com a forma como a morte de Eusébio me tocou, bem como a milhões de outros portugueses.

Partilhando com muitos outros milhões o defeito nacional de só valorizar o que é português quando ele recebe aclamação internacional, fiquei especialmente sensibilizado com as demonstrações realizadas no estrangeiro, sobretudo em Espanha e Inglaterra, onde estádios inteiros demonstraram o seu apreço pelo nosso Eusébio.

Provavelmente, terá sido esta projecção internacional do nosso “rei”, que gerou o despeito em Mário Soares, que o levou a produzir frases não só infelizes, como totalmente erradas do ponto de vista político.

Apesar da unanimidade no parlamento de aprovar a trasladação dos restos mortais de Eusébio para o Panteão, há uma lei que diz que é preciso esperar um ano. Esta lei tem um dos piores defeitos da nossa legislação: a hiper-regulamentação.

Não há nenhuma alma que se lembre de mudar a lei? Mas quem merece ir para o Panteão não é obviamente merecedor? Para que é que a lei precisa de definir um compasso de espera? Se houver dúvidas, discute-se e adia-se a decisão. Se não houver dúvidas, decide-se logo. Se querem um tempo para ter uma perspectiva histórica, então 50 anos é o mínimo, um ano não faz diferença.


 [Publicado no jornal“i”]

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Manifesto anti-euro

Economistas do BE defendem a saída do euro, mais com argumentos políticos do que económicos

Três economistas do Bloco de Esquerda, Alexandre Abreu, João Rodrigues e Nuno Teles, publicaram “Um guião político para as Europeias de 2014”, que não reflecte a opinião da direcção do partido.

Desde logo se saúdam dois factos. O primeiro é a divulgação de um documento com alguma reflexão relevante sobre a situação em que o país se encontra, que não é o vazio ou a conversa oca que impera nos partidos portugueses, de uma ponta à outra. O segundo aspecto é a emergência de um pensamento divergente do da direcção do BE, um partido onde não parecia existir muita democracia interna.

No entanto, este texto começa com um problema de base: não assumir as responsabilidades nacionais na nossa condição presente. “Os constrangimentos europeus, que acompanharam a integração europeia nacional, foram acentuados após Maastricht (…) A imposição política externa permanente, que entretanto se gerou, tornou o nosso país num protetorado em agudo empobrecimento”.

Ninguém nos obrigou a ter uma dívida externa das maiores do mundo (praticamente inexistente em 1995), nem uma das maiores dívidas públicas da UE. Foram as más escolhas de sucessivos governos que nos colocaram numa situação de endividamento excessivo que, esse sim, nos colocou numa situação de protectorado, por termos ficado dramaticamente dependentes de financiamento externo.

Ignorar as nossas responsabilidades sobre a nossa condição actual é, para além de errado no plano técnico, deplorável em termos éticos.

“O problema maior da economia portuguesa foi, desde o final dos anos noventa, a sua progressiva perda de competitividade externa no quadro do Euro”. Estranhamente, esta perda de competitividade parece que caiu do céu e, segundo os autores, não resultou de nenhuma "irresponsabilidade orçamental" que, ainda de acordo com estes economistas, nunca teria tido lugar.

Apresentam também uma – levíssima – inconsistência lógica, ao afirmarem, em simultâneo, não ter havido um “viver acima das possibilidades” mas termos “uma das maiores dívidas externas do mundo”. Como é possível acumular uma dívida externa tão elevada sem viver acima das possibilidades?

Passando para as soluções, saúda-se o realismo de perceber que “A evolução política recente e a permanente e crescente divergência económica entre países implicam uma profunda consciencialização das dificuldades de um programa federalista que, sendo intelectualmente coerente, carece de bases económicas e sobretudo políticas para responder à urgência de uma crise socioeconómica sem paralelo nos países periféricos” (meu itálico).

Descrentes de uma solução federal, propõem a saída do euro “essencial não só a fim de proceder a uma desvalorização cambial promotora da competitividade-preço da produção nacional, mas sobretudo com vista à recuperação dos instrumentos necessários à prossecução de uma política por parte do Estado favorável aos trabalhadores e classes populares.” É de pasmar que, tal como eu, estes economistas defendam a necessidade de uma desvalorização para recuperar a competitividade e não as balelas da inovação e da produtividade.

Apresentam-se minimamente cientes dos problemas, “é uma opção com custos e riscos. A desvalorização cambial traduzir-se-á num aumento da inflação (por via da componente importada da despesa), no aumento real da dívida externa e em ruturas potenciais no sistema de pagamentos.”

Em minha opinião, não escamoteando por completo os problemas, pintam um cenário demasiado idílico da saída do euro. Falam em proteger os pequenos aforradores, mas não se imagina com que meios, dada a pesadíssima carga que se abaterá sobre a dívida pública, para além do efeito penalizador da inflação.

Em relação aos salários reais (corrigidos pela inflação), prevêem uma queda, para depois se entaramelarem nuns considerandos que tentam minorar esta previsão, terrível para o seu próprio eleitorado e para qualquer hipótese de sucesso político da sua proposta.

Apesar de continuar a prever o fim do euro, considero improvável que Portugal saia pelo seu próprio pé. Nem a direcção do BE pretende tomar a iniciativa de um tal passo, cujas nefastas consequências lhe traria um brutal custo político.
  

[Publicado no jornal “i”]