A Constituição de 1976 é um documento lamentável, a vários
títulos. Tal como as duas anteriores constituições portuguesas, é uma
constituição de facção, em que uma parte do país se impõe ao restante.
A Constituição de 1911, republicana e anti-clerical, foi
mesmo das mais minoritárias, imposta a um país em que 80% vivia no campo, uma
percentagem superior era católica e tendencialmente monárquica.
A Constituição de 1933 também não se recomenda, embora não
deixe de ser irónico que o regime corporativo em que aquela se baseava só tenha
sido verdadeiramente concretizado no actual regime. Nos nossos dias é que as
corporações tomaram o Estado de assalto, sobretudo as do sector público.
A Constituição de 1976, tal como as anteriores, é também um
diploma de facção, em particular na versão original, que previa a
irreversibilidade das nacionalizações, entre outras pérolas.
Apesar da limpeza realizada pelas sucessivas revisões
constitucionais, a actual Constituição continuar a ser um texto deplorável e
anti-democrático, em particular no seu preâmbulo onde se continua a querer “abrir
caminho para uma sociedade socialista”.
O problema não está apenas na Constituição, mas na
jurisprudência que se tem gerado a partir dela, demasiado politizada e
declarando inconstitucionalidades baseadas em argumentação tão pobre e vaga
como a violação do princípio da confiança. Aliás, pergunto-me se entrar em
bancarrota não violará também esse princípio, tendo em atenção que a última vez
que isso aconteceu foi em 1892 e que tanto esforço foi feito posteriormente
para não o repetir.
Os deputados que impedem a limpeza do texto constitucional
de toda a sua canga de facção e os juízes do Tribunal Constitucional que têm
uma leitura extremamente rígida da Constituição julgam que a estão a defender.
Não percebem que é exactamente o oposto que estão a provocar.
O caracter de facção da Constituição é uma vergonha e quem o
defende só contribui para o desprestígio daquela legislação.
Por tudo isto, estou cada vez mais convicto que já não basta
uma revisão constitucional, é mesmo necessária uma nova constituição. Não
podemos continuar com uma constituição de facção, queremos uma constituição que
seja verdadeiramente para o todo nacional, como deveria ser sempre.
[Publicado no Jornal de Negócios]