segunda-feira, 30 de maio de 2011

Privatizar e desblindar

Aproveitando a boleia da recomendação do Pedro Santos Guerreiro de privatizar bem, gostaria de falar da blindagem de estatutos. Uma das formas de não privatizar a sério é criar limites aos direitos de voto de modo a que, no fundo, o Estado continue a mandar muito na empresa. Parece uma forma esperta, o Estado recebe muito dinheiro e não perde completamente o poder de dirigir a empresa. Na verdade, os compradores sabem que não estão a comprar uma empresa privada sobre a qual têm liberdade de acção, pelo que não pagam tanto como se estivessem a comprar uma empresa 100% privada.

Se esta forma de privatização não acautela os interesses dos contribuintes, ainda menos acautela o interesse geral, por duas razões. A primeira é uma má razão e prende-se com a forma abusiva como tantas vezes, e o Pedro já o repetiu várias vezes, quando dizemos “Estado”, estamos a dizer “governo” e, sobretudo, “partido”.

A segunda razão prende-se com a esquizofrenia entre o Estado proprietário e o Estado regulador. Uma boa regulação obriga a uma forte concorrência, que faz baixar as margens do produtor incumbente, que diminui o valor da participação do Estado neste. Existe um conflito insanável entre estas duas dimensões do Estado, entre o proprietário e o regulador, que só uma privatização total pode resolver.

Quando falo em privatização total estou a falar em dois aspectos: em primeiro lugar e mais óbvio, a venda de 100% do capital; em segundo lugar, impedir qualquer tentação de mandar ainda indirectamente na empresa, pela total desblindagem de estatutos. Estas duas medidas em conjunto deverão maximizar o encaixe da venda.

Vendamos, por exemplo, a EDP a uma grande empresa estrangeira e aí a regulação na energia já poderá passar a funcionar a sério.

Àqueles que rasgam as vestes com a perda de centros de decisão gostaria de dizer que acordaram tarde. O facto de a generalidade dos governantes dos últimos 15 anos não se ter preocupado com o elevado e persistente défice externo é que nos fez perder centros de decisão hoje. Não gerámos a poupança necessária para financiar os investimentos que quisemos fazer e agora, numa crise gravíssima de financiamento, derivada justamente dessa “despreocupação”, não há nada a fazer, senão ir perdendo o controlo. Isso já se passou na Cimpor, em grande medida na PT, está em curso no BCP e não vai parar tão cedo.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Dinheiro que sobrou?

Segundo o Diário Económico, “Serviços em dificuldades pediram para usar cerca de dois mil milhões de euros que sobraram do Orçamento do ano passado.”

Sobrou dinheiro do orçamento de 2010? Num ano em que se registou um défice brutal, sobrou dinheiro para gastar? E nada menos do que dois mil milhões de euros (1,2% do PIB)? Onde é que estará depositada essa soma fantástica, que afinal até podia ter sido gasta no ano passado?

Esta notícia revela que não só os serviços públicos ainda não perceberam o buraco em que estamos enfiados, como os jornalistas económicos também ainda não o perceberam. O que é mais extraordinário no meio disto tudo, é serem justamente os “serviços já em ruptura financeira” a imaginarem que sobrou dinheiro algures que eles agora podem gastar.

Não sei que situações concretas estão referidas na notícia, mas imagino que no OE10 foram inscritas verbas para despesa, que nunca existiram e que, por isso mesmo, foram cativadas. O que se terá passado é que “sobrou” dinheiro para gastar que pura e simplesmente nunca existiu.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Será isto que entendem por proteger o “Estado Social”?

Um dos aspectos a melhorar nos relatórios orçamentais é uma explicação inteligível da evolução das diferentes rubricas, a que a troika vai obrigar. Ficarão mais difíceis as conversas sobre a evolução orçamental como a que ouvimos em relação à execução revelada hoje.

Se há um substancial redução do défice, também é verdade que ela acontece em parte por motivos inteiramente fortuitos como este: “a variação homóloga acumulada do IRS a Abril, de 30,7% [face a 13,0% até Março] é explicada principalmente pelo facto do prazo de entrega do IRS em 2011, via internet, ter ocorrido um mês mais tarde que em 2010, com impacto, por inerência nos respectivos reembolsos e receita líquida.” (DGO, Maio 2011, p. 7).

Ou seja, o crescimento exponencial das receitas de IRS irá desaparecer já no próximo mês, o que não diz nada sobre a qualidade da execução orçamental do lado da receita.

A despesa primária está a descer menos do que o esperado para o conjunto do ano em quase todos os subsectores, com a intrigante excepção da Segurança Social (p.4), quando o desemprego está afinal mais elevado do que o esperado pelo governo. O executivo não está a cortar como se comprometeu do lado do Estado, mas está a conseguir poupar nos segmentos mais vulneráveis num momento dos mais críticos. Será isto que entendem por proteger o “Estado Social”?

sábado, 14 de maio de 2011

Publicidade

Vou estar no programa Prós & Contras na próxima 2ª feira, dia 16.

Sobrevivência do euro e da UE

O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Sérgio Vasques, afirmou que "A criação de benefícios tributários especificamente dirigidos às empresas exportadoras constitui uma forma de auxílio de Estado, contrária ao artigo 107 do Tratado da União Europeia". Não duvido desta leitura, mas parece-me claro que a legislação europeia precisa de ser alterada para fazer face à crise actual, coisa que infelizmente os líderes europeus têm teimado em não fazer, negando sucessivamente os vários problemas.

Os líderes europeus precisam de perceber que é urgente criar mecanismos de correcção de desequilíbrios externos dentro da zona do euro. Se recusarem alterar a legislação europeia para que a proposta do PSD possa ser concretizada, devem fornecer alternativas, que hoje não existem.

A Grécia deverá reestruturar devido à dimensão da sua dívida pública, mas no caso português é a dívida externa que nos poderá conduzir à reestruturação. Mas tanto a Grécia como a Espanha têm problemas graves de desequilíbrio externo.

A inexistência de mecanismos de ajustamento aos problemas de competitividade torna-os mais lentos a resolver, aumentando a probabilidade de uma reestruturação da dívida e torna-os também socialmente mais penosos de digerir. Uma reestruturação da dívida vai criar enormes ressentimentos nos credores e a factura social vai criar enormes ressentimentos nos devedores.

Isto cria um risco para a sobrevivência do euro e até mesmo da própria UE. O euro pode acabar de forma relativamente pacífica, mas também pode acabar de forma muito turbulenta e é isso que pode colocar em risco a sobrevivência da UE.

Seria o cúmulo da ironia que a teimosia em não alterar legislação da UE levasse, em último caso, à destruição da própria UE.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Informação

Para quem ainda não sabe, o blog "O Cachimbo de Magritte", onde também colaboro, mudou-se para aqui.

terça-feira, 10 de maio de 2011

A Grécia como indicador avançado

Como já tinha referido aqui, devemos olhar para a Grécia como um indicador avançado de Portugal, ou seja, o que acontecer aos gregos irá passar-se por cá, algum tempo depois. Estávamos ainda em Dez-09, bem no início da crise da dívida soberana, mas já seria de esperar uma escalada dos juros portugueses, na senda do que estava a acontecer à Grécia.

Também tinha escrito aí que:

Há banqueiros que aplaudem os projectos faraónicos de endividamento público (na expectativa de ganhar umas comissões de financiamento), esquecendo que este endividamento ajuda a que o cenário atrás descrito [de elevados prejuízos bancários] se materialize, colocando os bancos em sério risco.

Reproduzo este parágrafo para enfatizar uma ideia que Vítor Bento vem referindo recorrentemente, que chegámos aqui porque durante demasiado tempo houve cumplicidades de pessoas ao mais alto nível, neste caso de banqueiros, que nem sequer souberam acautelar os interesses dos bancos.

Em Mai-10 a Grécia pediu ajuda e seria de esperar que alguns meses depois fosse a vez de Portugal. Curiosamente, o actual governo fez duas coisas contraditórias com esta previsão. Por um lado, desleixou-se completamente na execução orçamental de 2010, o que deveria ter acelerado o pedido de ajuda mas, por outro lado, adiou para lá de todos os limites o pedido de ajuda.

Agora fala-se na necessidade de mais ajuda à Grécia. Tendo em atenção que o nosso plano prevê que voltemos ao mercado, para prazos mais longos, em meados de 2013, não parece muito arriscado prever que não estaremos prontos para o fazer então e que Portugal também, mais uma vez, siga a Grécia e tenha necessidade de mais ajuda.

Se mais nada suceder entretanto (eg, ajuda a Espanha, reestruturação da dívida grega) é evidente que estes pacotes adicionais de ajuda vão colocar uma pressão adicional sobre a crise do euro, apressando o fim da moeda única, como desenvolvi aqui.

Repor a verdade

Parece que o PS está indignado com a proposta do PSD de baixar a TSU, financiando esta diminuição com uma reestruturação do IVA. Será que o PS já se esqueceu dos documentos que negociou com a troika? Será talvez útil recordar que no documento apresentado pelo próprio ministério das Finanças, “PORTUGAL—MEMORANDUM OF ECONOMIC AND FINANCIAL POLICIES”, na página 12 se pode ler:

Fiscal devaluation

39. A critical goal of our program is to boost competitiveness. This will involve a major reduction in employer’s social security contributions. This measure will be fully calibrated by the time of the first review. The offsetting measures needed to ensure fiscal neutrality may include changing the structure and rates of VAT, additional permanent expenditure cuts, and raising other taxes that would not have an adverse effect on competitiveness. In calibrating this measure, we will take measures to: (i) mitigate the social impact of higher consumption taxes; (ii) ensure that changes to social security contributions are compensated by allocating equivalent revenues in order not to jeopardize the sustainability of the pension system; and (iii) ensure that tax changes are passed through to lower prices. While the proposal might be implemented in two steps, the bold first step will be implemented in the context of the 2012 budget (structural benchmark, October 2011).

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Contas à vida, 28 Abr 11

Estive neste programa, em substituição de Pina Moura.

Serviço Público

O blog Aventar traduziu para português um dos três documentos oficiais da ajuda externa, o MEMORANDUM OF UNDERSTANDING ON SPECIFIC ECONOMIC POLICY CONDITIONALITY. A propósito, alguém sabe onde pára o Technical Memorandum of Understanding (TMU), que ainda não foi disponibilizado por nenhum órgão de comunicação social?

PS. Dei uma mãozinha na revisão da primeira secção.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Perda de soberania

Há duas ideias que parecem dominar o debate das eleições legislativas que se avizinham: a perda de soberania e “necessidade” de um governo alargado. Julgo que há uma clara contradição entre elas, mas comecemos a análise pela questão da perda de soberania.

Antes de mais convém recordar que a potencial perda de soberania ocorreu em Maio de 2010 e permito-me recordar o que então aqui escrevi: “Penso que Vasco Pulido Valente não exagera ao escrever: ‘ninguém reparou que o país sofreu a maior humilhação nacional deste último século’. Rui Ramos diz-nos que Portugal passou à condição de protectorado a 10 de Maio de 2010 (uma data a colocar a par do ‘5 de Outubro, 28 de Maio e 25 de Abril’) e que ‘perante o mau governo dos últimos 15 anos, talvez seja de dizer: ainda bem’. Campos e Cunha não tem dúvidas: ‘uma vez que não nos sabemos governar, é melhor aceitar a tutela.’”

Há um ano sofremos uma potencial perda de soberania, mas que se concretizou da forma mais gravosa possível, por três razões. Em primeiro lugar, o governo não tomou consciência do que nos aconteceu há um ano, não percebeu que a execução orçamental de 2010 tinha que ser irrepreensível e, para espanto de todos, desde os investidores internacionais até a Vítor Constâncio, não cumpriu nem um quarto da consolidação orçamental com que se comprometeu junto dos nossos parceiros europeus. Como é óbvio, o incompreensível comportamento do défice público de 2010 tinha que gerar uma desconfiança brutal junto dos investidores, traduzindo-se em crescentes taxas de juro.

O governo cometeu o segundo erro ao não antecipar (um padrão excessivamente repetitivo) que a perda de credibilidade associada ao descalabro orçamental do ano passado iria forçar o país a pedir ajuda externa e adiou o pedido até ao último minuto possível. Aliás, ainda fomos brindados com uma novela, com o ministro das Finanças a forçar o pedido de ajuda, contra a vontade do primeiro-ministro, o que levou este a castigar aquele de várias formas. Como é óbvio, o protelamento do pedido de auxílio fez com que Portugal enfrentasse a “troika” negociadora numa posição de especial fragilidade, muito superior à que teria ocorrido se tivesse feito o pedido há seis meses, como muitos parceiros europeus o recomendaram.

O terceiro erro é partilhado, mas não em partes iguais, entre o PSD e o PS. O PSD cometeu a imprudência de chumbar o chamado PECIV, quando poderia, no mínimo, ter colocado como condição de aprovação a convocação de eleições antecipadas. Depois o governo, sabendo perfeitamente que o pedido de ajuda externa estava iminente, apresentou a sua demissão, o que só poderia ter apressado ainda mais o pedido de auxílio. Esta irresponsabilidade do governo levou à concretização do pior cenário possível: a “negociação” de um pacote duríssimo, tendo como contraparte do lado nacional um governo de gestão, com uma credibilidade orçamental pelas ruas da amargura.

Em resumo, há um ano sofremos uma potencial perda de soberania, que acabou por se concretizar da pior forma possível, devido sobretudo à actuação do actual governo.

Mas, e aqui volto à ideia de contradição inicial, se a perda de soberania ocorreu de forma tão brutal, isto implica que a margem de manobra do próximo governo é estreitíssima. Implica também que os principais partidos vão ser obrigados a aprovar essas medidas antes das eleições, como condição para o país receber ajuda externa.

Daqui se retira que o programa de acção do próximo governo é quase indiferente e o que importa mais são as pessoas e a facilidade que têm ou não de trabalhar em conjunto.

Se a direita não tiver maioria absoluta, é quase inevitável que o PS vá para o governo, pelo que o cenário que interessa analisar é outro, o caso em que a direita tenha maioria absoluta. Neste caso, o PS já terá dado apoio às medidas da troika antes das eleições, pelo que a sua presença no governo não será necessária. Quanto à contestação nas ruas, é importante lembrar que o governo passará a ser avaliado trimestralmente e se não tiver introduzido as reformas acordadas no calendário definido, cessa a ajuda. Ou seja, a contestação inorgânica muito dificilmente terá resultados práticos.

Em conclusão, é evidente que a perda de soberania se concretizou da pior forma possível, mas isso não implica, antes dispensa, um governo de coligação alargada.


[O meu artigo deste mês no Jornal de Negócios.]