Aproveitando a boleia da recomendação do Pedro Santos Guerreiro de privatizar bem, gostaria de falar da blindagem de estatutos. Uma das formas de não privatizar a sério é criar limites aos direitos de voto de modo a que, no fundo, o Estado continue a mandar muito na empresa. Parece uma forma esperta, o Estado recebe muito dinheiro e não perde completamente o poder de dirigir a empresa. Na verdade, os compradores sabem que não estão a comprar uma empresa privada sobre a qual têm liberdade de acção, pelo que não pagam tanto como se estivessem a comprar uma empresa 100% privada.
Se esta forma de privatização não acautela os interesses dos contribuintes, ainda menos acautela o interesse geral, por duas razões. A primeira é uma má razão e prende-se com a forma abusiva como tantas vezes, e o Pedro já o repetiu várias vezes, quando dizemos “Estado”, estamos a dizer “governo” e, sobretudo, “partido”.
A segunda razão prende-se com a esquizofrenia entre o Estado proprietário e o Estado regulador. Uma boa regulação obriga a uma forte concorrência, que faz baixar as margens do produtor incumbente, que diminui o valor da participação do Estado neste. Existe um conflito insanável entre estas duas dimensões do Estado, entre o proprietário e o regulador, que só uma privatização total pode resolver.
Quando falo em privatização total estou a falar em dois aspectos: em primeiro lugar e mais óbvio, a venda de 100% do capital; em segundo lugar, impedir qualquer tentação de mandar ainda indirectamente na empresa, pela total desblindagem de estatutos. Estas duas medidas em conjunto deverão maximizar o encaixe da venda.
Vendamos, por exemplo, a EDP a uma grande empresa estrangeira e aí a regulação na energia já poderá passar a funcionar a sério.
Àqueles que rasgam as vestes com a perda de centros de decisão gostaria de dizer que acordaram tarde. O facto de a generalidade dos governantes dos últimos 15 anos não se ter preocupado com o elevado e persistente défice externo é que nos fez perder centros de decisão hoje. Não gerámos a poupança necessária para financiar os investimentos que quisemos fazer e agora, numa crise gravíssima de financiamento, derivada justamente dessa “despreocupação”, não há nada a fazer, senão ir perdendo o controlo. Isso já se passou na Cimpor, em grande medida na PT, está em curso no BCP e não vai parar tão cedo.