Portugal continua a caminho da bancarrota, sob a ameaça de dois fogos – a dívida pública e a dívida externa – sem que a generalidade dos portugueses pareça ter consciência da gravidade da situação para a qual avançamos.
A execução orçamental revela um descontrolo da despesa e uma melhoria da receita, sendo que esta parece estar a ocorrer mais cedo do que o esperado ao longo do PEC. Esta melhoria extraordinária da receita parece compensar a perda extraordinária em 2009 e não deveria estar a ser delapidada, permitindo a expansão da despesa. Também a dívida pública já subiu até Julho mais do que era suposto subir em todo o ano.
Antes de se preocupar com a aprovação pela AR da proposta de OE para 2011, parece que o governo vai ter que se preocupar em cumprir os compromissos que assumiu, perante Bruxelas e os mercados financeiros, em relação ao orçamento para este ano. Provavelmente terá que recuar na concessão aos professores e terá que cortar o 13º mês a todos os funcionários públicos e pensionistas de mais elevados rendimentos.
É possível que se consiga limitar o crescimento da dívida pública, mas altamente improvável que se consiga estancar a explosão da dívida externa, pela simples razão que este problema parece quase completamente ignorado. Já inúmeros economistas (desde Blanchard até Krugman) defenderam que as economias periféricas da Europa precisam de reduzir salários entre 20% e 30%. Agora foi Trichet que se juntou a eles, recomendando contenção salarial nesses países.
Do ponto de vista técnico a proposta está basicamente correcta, embora houvesse necessidade de a concretizar de forma paulatina, de modo a evitar um “crash” imobiliário que poderia colocar em risco a saúde do sistema financeiro, com elevadas probabilidades de agravar as contas públicas.
Mas o problema principal não é qualquer tipo de objecção técnica, o mais difícil é que isto é “dinamite” política. Presume-se que ainda estará para nascer o primeiro político capaz de defender um corte generalizado de salários, quanto mais haver eleitorado que vote nele.
Proponho uma alternativa muito mais lenta, que até pode ser insuficiente para evitar a bancarrota, mas pode pelo menos minorar a gravidade dos termos da mesma. A proposta é um generalizado e prolongado congelar de salários nominais. O sector privado não deveria aumentar os salários de tabela até que o défice externo estivesse abaixo dos 3% do PIB. No sector público os salários e pensões teriam que ser congeladas enquanto o défice público estivesse acima dos 3% do PIB, mas também enquanto o sector privado não pudesse aumentar os salários. A base técnica para este valor pressupõe a estabilização da dívida em torno dos 150% do PIB (uma correcção lenta) e uma taxa de juro de 6%.
Estas regras não são estritamente económicas, destinam-se a ser politicamente legíveis para passar a mensagem dificílima da necessidade de contenção salarial. O congelamento dos salários permitiria alguma recuperação de competitividade, estancando o crescimento da dívida externa. Esta regra cria um foco muito claro no problema que é hoje a nossa mais grave restrição de financiamento, podendo criar inúmeras respostas para o resolver, para além da contenção salarial. Há imensos projectos de investimento no turismo, aquacultura e outras actividades “exportadoras” que estão bloqueadas pela inércia administrativa e por algum fundamentalismo ambiental. Os consumidores certamente também se sentiriam estimulados a aumentar a poupança e a fazer substituição de importações.
Ao aumentarmos o peso do sector transaccionável (agricultura, indústria e turismo) estaremos também a dar um importante contributo para aumentar o potencial de crescimento da economia, evitando mais uma década perdida.
O sentimento de partilha equitativa dos sacrifícios deveria ajudar a que houvesse uma aceitação generalizada do esforço, estaríamos todos no mesmo barco. Acresce ainda que um congelamento generalizado de salários deveria conduzir a taxas de inflação muito baixas, provavelmente inferiores a 1%, o que acabaria por limitar os sacrifícios que estariam a ser pedidos.
Julgo que esta proposta é um equilíbrio possível entre a necessidade económica e as dificuldades políticas para evitar a bancarrota.
[Publicado no Jornal de Negócios]
2 comentários:
Pedro Braz Teixeira
Quem segue a economia e a actualidade política nacional compreemde que entramos no vórtice da negação; como se trata de um vórtice já não existe modo de voltar atrás.
A altura certa teria sido nas últimas legislativas e, essas já passaram.
Deixe-me propor para estudo uma variante da sua proposta:
Porque não criar, literalmente, criar um sistema jurídico, laboral, fiscal,de contribuição social e de apoio na doença para o sector dos bens transacionáveis?
O contrato de trabalho seria sem prazo e de livre cessação pelas partes; o montante de salário seria indexado à produtividade e a outros indices livremente negociados; (estes indices seriam negociados pelos sindicatos ou comissões de trabalhadores);
O IRS teria apenas três escalões;
A TSU seria de 5% para o trabalhador e de 10% para o empregador;
O acesso ao SNS seria condicionado a serviços mínimos e condições de emergência;
O seguro médico seria obrigatório;
A pensão futura teria um tecto e um limiar mínimo e estaria dependente de capitalizção anterior;
Em suma, um regime diferente.
Recordo-me que a criação do contrato a prazo obedeceu a imperativos de ordem económica que são semelhantes ao que existem hoje, com a vantagem de termos o exemplo a AUTOEUROPA.
Com este sistema poderíamos sair do beco em que nos encontramos e evitar sermos o país ideal para "maquilladoras" de luxo de origem alemã...
Ah já me esquecia a adesão de outras industrias a este sistema seria livre mas irrevogável...
Cumprimentos
joão
Caro João
O princípio da sua proposta parece-me excelente. Já os pormenores são mais discutíveis, como estava aliás implícito na sua ideia de os "propor para estudo".
Muito obrigado por mais um comentário interessante, educado e honesto.
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