terça-feira, 9 de março de 2010

Programa de Endividamento e Divergência

Os traços gerais do PEC revelam desde logo um cenário de divergência com a UE. Mesmo assim, ao prever um crescimento médio de do PIB 1,2% em 2010-2013, acima da média de 0,8% do período 2002-2008, corre o risco de ser considerado optimista.

Quanto ao mercado de trabalho, o governo insiste em previsões que são inconsistentes com as suas previsões para o PIB. No início de 2010 o desemprego já está nos 10,5%, pelo que é impossível que no conjunto do ano fique abaixo dos 10%, com o crescimento anémico previsto. Note-se adicionalmente que o Banco de Portugal, com a mesma previsão para o PIB de 0,7%, prevê que o emprego caia 1,3% em 2010, enquanto o governo prevê uma queda de apenas 0,1%. Para os anos seguintes as previsões mantêm a inconsistência.

Em relação às contas externas, o défice externo mantém-se intacto entre 2009 e 2013, com ligeiras flutuações. Isto significa que o PEC não contempla medidas de melhoria significativa da competitividade, um péssimo sinal de desatenção do governo a uma área essencial para podermos voltar a convergir com a UE. O governo ignora a componente “Crescimento” do PEC. Significa também que a dívida externa deverá continuar a sua trajectória de crescimento explosivo, sem quaisquer sinais de, sequer, abrandamento do ritmo de crescimento. É previsível que a dívida externa suba de cerca de 110% em 2009 para cerca de 130% do PIB em 2013, continuando a crescer nos anos seguintes.

O governo ainda não forneceu nenhuma explicação cabal (nem aproximada) do descalabro das contas públicas em 2009, ponto de partida deste PEC. Em Maio o governo previa que o PIB se contraísse em 3,4% e que o défice fosse de 5,9%. Afinal o PIB não caiu tanto (mas “apenas” 2,7%) e o défice foi muito maior (9,3%), apesar de o pacote de estímulo nem sequer ter sido totalmente executado. Esta dúvida sobre 2009 é uma sombra que paira sobre todo o PEC.

Infelizmente o governo não reviu em baixa o défice de 2010, como deveria, sobretudo tendo em atenção as novas medidas gregas, mantendo o essencial do corte do défice num período em que provavelmente já não estará em funções. Parece que o governo tem consciência da sua fragilidade política (em termos de duração) e não está disposto a sofrer os custos políticos de um programa a sério porque não irá usufruir dos benefícios políticos desse mesmo programa.

Há uma outra inconsistência que deverá ser rapidamente detectada pelos mercados: a inconsistência entre a evolução do défice e a da dívida pública. Os défices acumulados entre 2011 e 2013 somam quase 15% do PIB e, no entanto, a dívida subiria menos de 4% do PIB. Não há crescimentos do PIB nem receitas de privatizações que justifiquem uma diferença tão grande.

2 comentários:

Manuel Brás disse...

Ficando o pé mais quebrado
com tão ténue sustentação
será mais uma vez cobrado
o bem-estar da população.

Da frouxidão imaginativa
de um programa mal amanhado
brada a ruína efectiva
do nosso regime definhado.

São tempos desenganados
por mil e uma ilusões
com valores enfunados
de desprezíveis infusões.

Tantos sacrifícios passados,
vazios e enganadores,
deixando sinais destroçados
de governos esbanjadores.

A aritmética recordada
destaca o endividamento
da economia malfadada
após anos de definhamento.

João Pedro Santos disse...

Concordo inteiramente no que respeita ao emprego.
Mas já não me parece que exista a inconsistência interna entre os valores do défice e da dívida. Admitindo que a evolução do deflator do PIB seja igual ao deflator do PIB, entre 2013 e 2011 a subida do PIB nominal deverá ser cerca de 10,1%.
Como os 6 mil milhões de privatizações corresponderão a cerca de 3,4% do PIB, diria que fazendo as contas por alto estes números batem certo como os 14,1% de défices acumulados (que medidos em % do PIB nominal de 2013 correspondem a "somente" 13,5%).