quarta-feira, 12 de maio de 2021

Uma confissão antecipada de fracasso

 De acordo com o Programa de Estabilidade 2021-2025 recém apresentado, a extraordinária “bazuca” europeia aumentará em apenas uma décima o potencial de crescimento da nossa economia, o que constitui uma confissão antecipada de fracasso.

 

Acaba de ser apresentado o Programa de Estabilidade 2021-2025, uma grande decepção. No ano passado, devido à pandemia, a Comissão Europeia dispensou os países de apresentar um cenário de médio prazo, pelo que teremos que olhar para os Programas de Estabilidade de 2018 e 2019 para analisar o que mudou. No último ano do intervalo de previsão de cada destes programas, o governo estimava um crescimento de 2,1%, que poderá ser encarado como o potencial de crescimento de médio prazo da nossa economia, na perspectiva do ministério das Finanças.

 

Sem discutir a bondade deste valor, podemos constatar que o valor previsto para 2025 é de 2,2%, uma décima apenas acima do que se previa antes da “bazuca” europeia. Nessa data, a recuperação da pandemia já estará concluída e os montantes extraordinários investidos quase não terão impacto no potencial de crescimento da nossa economia. Esta é uma confissão antecipada de fracasso, para além de uma reiterada demonstração de falta de ambição, já que Portugal deveria almejar a crescimentos da ordem dos 3%, tal como conseguem, no mínimo, os países do Alargamento.

 

Mas revela também que o governo tem uma visão muito imediatista, não percebendo que só no curto prazo é que a evolução da economia depende da procura, já que no médio e longo prazo, o que é importante é a oferta. Estímulos da procura para lá do que a oferta consegue absorver traduzem-se em inflação e/ou défices externos. Foi isso, aliás, o que tivemos entre 1995 e 2011, com os horríveis resultados conhecidos: estagnação económica e uma dívida externa explosiva, de 8% para 110% do PIB.

 

O Programa de Estabilidade 2021-2025 também ajuda a perceber alguns dos erros estratégicos do Programa de Resiliência e Recuperação (PRR). Se, na perspectiva – erradíssima – do governo, basta estimular a procura para expandir o PIB, então tanto faz que a procura seja pública ou privada, como tanto faz que a procura tenha qualidade ou não.

 

Isso ajuda a explicar o enfoque absurdo na despesa pública. Como ajuda a explicar, a falta de foco na promoção do investimento produtivo, a desvalorização do capital humano e da produtividade, ignorando, assim, as componentes da oferta que era essencial desenvolver.

 

Prevendo-se uma redução da taxa de desemprego para níveis inclusive abaixo da chamada taxa natural de desemprego (no caso português, entre 6% e 7%), é evidente que haverá uma competição pelo emprego entre sector público e privado. Os trabalhadores que engrossarem as fileiras do emprego público deixarão de estar disponíveis para o sector privado, que voltará a ter dificuldade em conseguir pessoal especializado, como já acontecia antes da pandemia. Ou seja, não teremos maior crescimento, mas apenas alteração da sua localização.

 

Em resumo, quer o PRR quer o Programa de Estabilidade 2021-2025 são programas de curto prazo, de mera gestão da conjuntura, sem uma verdadeira visão de desenvolvimento.

 

 

[Publicado no Jornal Económico]

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