Um IRC mínimo mundial diminui uma desvantagem competitiva
portuguesa (a menos que o governo cometa mais um erro), para além de abrir a
porta a novas receitas fiscais, pagas pelos gigantes tecnológicos.
O novo presidente americano parece empenhado em alterar as
linhas políticas das últimas quatro décadas, aproximando a política económica e
social da que se verifica na generalidade das economias avançadas. Do lado da
despesa, pretende fortes investimentos em infra-estruturas e um Estado social
mais generoso e tenciona, do lado da receita, pagar isso com aumento de
impostos sobre os 0,3% de indivíduos mais ricos.
É importante evitar críticas apressadas ou “tribais” e
tentar responder, honestamente, a algumas questões: comparando com outros
países avançados, em que medida é que as propostas de Biden são extremistas?
Vão ultrapassar as normas vigentes em que países europeus?
O mais irónico de tudo é que, mais do que as economias
europeias, é a locomotiva norte-americana que tem mais condições de ser
generosa: em termos de nível de rendimento, é mais rica que a generalidade das
restantes; em termos de futuro, é das mais dinâmicas, quer em termos
demográficos, quer de produtividade, quer de inovação.
Só para dar um exemplo, o sistema de saúde dos EUA tem duas
características péssimas: apresenta indicadores básicos (mortalidade infantil e
esperança de vida) muito maus, piores mesmo do que os portugueses; apresenta dos
gastos mais elevados (em percentagem do PIB) da OCDE. É difícil uma combinação
tão má, fruto, entre outros factores, de não haver cobertura universal. Alguém
pode ser contra algo que até Portugal tem?
Em termos fiscais, entre outras medidas, há a intenção de
subir a taxa normal de “IRC”, de 21% para 28%, ainda assim abaixo do que se
verificava há algumas décadas neste país. Para além disso, pretende chegar a
acordo para um IRC mínimo mundial, em linha com a proposta da OCDE, de 2019,
sobre o assunto (“Enfrentando os desafios fiscais da digitalização da
economia”). Trata-se, por um lado, de evitar que os gigantes tecnológicos
tenham receitas operacionais elevadas em grandes economias e depois declarem
impostos em jurisdições minúsculas; e, por outro, permitir correcções quando os
lucros foram tributados a taxas demasiado baixas.
Como é evidente, isto gerará protestos de Estados muito
pequenos, representando, no seu conjunto, menos de 1% da população das
economias avançadas, mas não pode constituir-se como obstáculo intransponível
contra a vontade da esmagadora maioria dos restantes. Para além de que é
evidente que é a sua dimensão muito pequena que está na base do seu “sucesso”
fiscal.
Portugal poderá ganhar com esta alteração fiscal mundial, já
que uma das nossas maiores desvantagens é termos uma taxa de IRC (incluindo
todos os extras) das mais elevadas na OCDE, pelo que, se não fizermos nada,
assistiremos a uma redução substancial deste inconveniente. É claro que se se
aproveitar para aumentar (de alguma forma) o IRC, estaremos a destruir isto.
Por outro lado, também haverá margem para passarmos a
receber algumas receitas fiscais da actividade dos gigantes tecnológicos no
território nacional.
[Publicado no Jornal Económico]
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