sábado, 22 de maio de 2021

O fantasma da inflação

 

A subida da inflação americana já fez subir as taxas de juro neste país, o que conduziu a subidas também na Alemanha e em Portugal, embora os riscos inflacionistas na zona euro sejam mínimos.

 

A recuperação natural da economia americana, com o fim dos confinamentos, que nunca foram muito severos, e o avanço nas vacinas; a forte ajuda monetária; e o excepcional estímulo orçamental geraram receios de tensões inflacionistas. Na verdade, a taxa de inflação nos EUA, passou de 1,4% em Dezembro para 2,6% em Março e “saltou” para 4,2% em Abril, parecendo dar razão aos receios inflacionistas, embora sejam explicados por fenómenos pontuais.

 

Na zona euro, a inflação continua baixa e uma subida até seria uma boa notícia, porque: implicaria o fim do fracasso do BCE que a colocar “próximo mais abaixo de 2%”; permitiria acabar com as taxas de juro negativas, uma situação excepcional e de muito difícil gestão, para todos; diminuir a oposição às políticas do BCE por parte dos países mais aforradores.

 

Regressando aos EUA, é possível que a inflação norte-americana permaneça algum tempo acima da referência dos 2%? Sim. Será difícil baixá-la? Não, a Reserva Federal tem amplos instrumentos para o conseguir. Corremos o risco de, para além da subida da inflação, termos também uma subida das expectativas de inflação? De maneira nenhuma e, para sublinhar isso, revisitemos, muito esquematicamente, a chamada Grande Inflação, desde o final dos anos 1960 até ao início dos anos 1980.

 

Durante este período, julgava-se que era possível “comprar” uma redução da taxa de desemprego tolerando alguma inflação, que, no início de 1969, subiu acima dos 5%. Em Agosto de 1971, teve lugar o “choque Nixon”, em que o presidente dos EUA decretou o fim da convertibilidade do dólar em ouro, que poderia ser encarado como a destruição de uma âncora anti-inflação. Para além disso, introduziu controlos de preços e salários, numa tentativa fútil de dominar a inflação, que só criou escassez de bens, em particular de energia.

 

No Outono de 1973, deu-se o primeiro choque petrolífero, que agravou claramente a Grande Inflação, e em 1979 teria lugar o segundo destes choques. Finalmente, em 1981, Volcker, presidente da Reserva Federal, subiu fortemente as taxas de juro, para 20% (o “choque Volcker”), que não só reduziu a inflação, como,  – o mais importante – também destruiu as expectativas inflacionistas, que estavam já a alimentar a subida dos preços, num ciclo vicioso imparável. É certo que este choque fez subir o desemprego, mas foi o preço a pagar para conseguir estancar a espiral inflacionista.

 

O que sucedeu, entretanto, à taxa de inflação? Em 1974, chegou aos 12%, em 1980, atingiu o máximo de 15%, e em 1983 já estava completamente domada, abaixo dos 3%. Como podem verificar, hoje, estamos longíssimo dos valores dos anos 70 e até abaixo dos verificados no final dos anos 1960.

 

Mas a diferença decisiva reside no facto de os erros cometidos pelos bancos centrais, sobretudo a seguir aos choques petrolíferos, não poderem ser repetidos, porque se aprendeu o papel fundamental das expectativas na evolução do índice geral de preços.

 

[Publicado no Jornal Económico]

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