Com a queda do muro de Berlim, deveríamos ter acordado
para a necessidade de corrigir o nosso grave défice de qualificações, sobretudo
em confronto com os países de Leste, nossos exigentes concorrentes.
Há quatro décadas que Portugal recebe fundos europeus (ainda
antes de aderir à então CEE), e há mais de vinte anos que divergimos da Europa,
caminhando para os últimos lugares das ordenações de desenvolvimento, prova evidente
de que não os temos usado bem.
Este novo Programa de Resiliência e Recuperação (PRR) começa
por se destacar, pela negativa, ao não fazer um diagnóstico minimamente correcto
da situação portuguesa, ignorando esta divergência.
Para além disso, o governo português não gastou a despesa
autorizada pela AR no orçamento aprovado ANTES da pandemia, quanto mais a
despesa adicional prevista no orçamento rectificativo.
Isto reforça a ideia que parte dos fundos do PRR não
servirão para somar aos fundos nacionais, mas antes para os substituir, o que
poderá ser benéfico para o défice e dívida públicas, mas não necessariamente
para o crescimento económico. Vejam-se os exemplos das rubricas “Equipamento
dos Hospitais Seixal, Sintra, Lisboa” (196 M€) e “Aproveitamento hidráulico de
fins múltiplos do Crato” (171 M€), entre outros.
No PRR, há um claro predomínio da despesa na administração
pública, ainda por cima sem qualquer visão de reforma estrutural, que tão
necessária é, já que o Estado tem estado quase sempre do lado dos problemas e
quase nunca das soluções, o que permite antecipar que se pretende deitar
dinheiro para cima das questões.
No entanto, entre o Estado e as empresas estão 4,5 milhões
de trabalhadores que não trabalham no sector público, que são os grandes
esquecidos deste PRR, em que a rubrica “Qualificações e Competências” absorve
apenas 8% do total. Pior ainda, mais de metade desta verba está destinada a “Modernização
da oferta e dos estabelecimentos de ensino e da formação profissional”, fazendo
lembrar os erros da Parque Escolar, com investimento de luxo nuns
estabelecimentos enquanto outros permanecem em risco de ruína; e em pensar que
o problema da educação e formação se resolve com edifícios.
O que é especialmente grave neste esquecimento é que, há 31
anos, quando caiu o muro de Berlim, Portugal se viu confrontado com novos
concorrentes, os países de Leste, que se distinguiam por estar muito mais
próximo dos maiores mercados da UE e, sobretudo, por terem níveis de
escolaridade e formação muito superiores aos portugueses. Nessa altura,
deveríamos sentido um sobressalto cívico sobre a urgência de corrigir o nosso
brutal défice de qualificação. Já passaram mais de três décadas e o país – e os
governos – ainda andam a dormir, como é revelado pela desvalorização deste tema
crucial no PRR.
Uma coisa é certa: os trabalhadores portugueses jamais
poderão usufruir de salários semelhantes aos dos seus congéneres alemães sem
que passem a ter qualificações minimamente similares aos destes.
[Publicado no Jornal Económico]
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