As tabelas de retenção
na fonte do IRS estão mal feitas, desrespeitam o artigo 104º da Constituição (“1.
O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será
único e progressivo (…)”), desrespeitam os princípios do IRS (e os princípios
da mais elementar justiça), e prejudicam os trabalhadores, as empresas, a
economia e as receitas fiscais.
Imaginemos o caso de um trabalhador não casado (sem
dependentes) que ganha 1005€, que está próximo do salário mediano, que é aquele
no meio da distribuição dos salários. Segundo a tabela de retenção para 2021,
retém 11,4% de IRS, a que se tem que adicionar a retenção de 11% para a
segurança social e fica com um salário líquido de 779,88€.
Só para se perceber o assunto, imagine-se que era aumentado
em 1 euro. Neste caso, passava para o “escalão” acima, até aos 1065€, com
retenção de 12,2% de IRS. Ou seja, o seu vencimento líquido baixaria para
772,61€, o que é não só injusto como um absurdo total. Se fosse aumentado até
10,40€ (1,0% do salário inicial) continuaria a levar para casa menos do que
anteriormente.
No caso de lhe serem propostas horas extraordinárias, pode
ficar com um salário líquido inferior ou pouco superior ao auferido
anteriormente. Numa visão de muito curto prazo, aquela que a esmagadora maioria
dos trabalhadores tem, segundo o relato de vários empregadores, ele recusa esse
trabalho extra, o que o prejudica a si próprio, a empresa, a economia e as
receitas fiscais! Uma empresária contou-me mesmo de casos em que os
trabalhadores recusaram aumentos salariais, o que é extraordinário, o mais
revelador possível de como estas tabelas estão mesmo mal feitas.
É claro que, no final, quando se fizer a liquidação de IRS,
provavelmente mais de um ano depois, o trabalhador até vai receber mais em
termos líquidos, mas isso é irrelevante para as decisões no curto prazo. Tudo
isto decorre de as tabelas de retenção da fonte desrespeitarem as regras do
IRS, o que é absurdo. No entanto, a solução para isto é extremamente simples,
basta corrigi-las, e proponho aqui uma forma possível para o fazer.
Em vez de haver uma taxa média de retenção de IRS, que se
aplica ao total do vencimento, passar a haver duas taxas: uma taxa média até ao
escalão imediatamente inferior e uma outra taxa, que se aplica só sobre a
diferença entre o total do vencimento e o escalão anterior. Desta forma,
elimina-se qualquer hipótese de um aumento de remuneração bruta corresponder a
uma diminuição da remuneração líquida. Esta proposta não tem nada do outro
mundo, porque decorre directamente da lógica de construção do próprio IRS.
Por favor, não venham com a desculpa de que isso exige
tabelas de retenção mais extensas porque qualquer informático consegue fazer,
em meia hora, um programa de cálculo da retenção por esta forma corrigida. Aliás,
no site da AT deveria ser possível fazer simulações de retenção na fonte de IRS
para qualquer caso.
Espero que os sindicatos e as associações patronais fazem
pressão para que esta correcção se concretize.
[Publicado no Jornal Económico]
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