quarta-feira, 5 de julho de 2017

Henrique Medina Carreira (1931-2017), um homem livre

Medina Carreira era um homem lúcido e livre e pagou um preço por isso, num país que não o soube aproveitar.

Henrique Medina Carreira deixa-nos mais pobres com a sua partida e deixo aqui um humilde tributo ao seu contributo para o país.

Foi ministro das Finanças no 1º governo constitucional, entre 1976 e 1978, e nunca mais se esqueceu disso. Em França, um ex-ministro mantém o título honorífico de ministro e Medina Carreira manteve sempre a atitude de um ministro das Finanças. Sei que telefonava aos seus sucessores, pelo menos àqueles por quem tinha consideração, a dar-lhes conselhos.

Nos anos do desastre socrático, foi dos primeiros a levantar a voz e alertar para os problemas que se estavam a gerar, uma raridade entre instituições que deveriam ter lançado alertas também, mas que permaneceram num silêncio ensurdecedor, em particular o Banco de Portugal.  

É uma pena que o país não tenha sabido aproveitar os seus avisos, porque se poderia ter evitado muito sofrimento posterior. Se a asneira não tivesse ido tão longe, a austeridade forçada a partir de 2011 não teria necessidade de ser tão dura.

A sua voz livre teve um preço: perdeu muitos clientes do seu escritório de fiscalista. Este facto merece dois comentários. Por um lado, é um sinal do excessivo poder do Estado e do governo que pode actuar de forma caprichosa para prejudicar quem o enfrenta. Por outro, revela uma sociedade medrosa, em que mesmo cidadãos e empresas prósperos têm medo de indispor o poder.

Conheci-o pessoalmente há pouco mais de um ano, quando fui fazer uma apresentação sobre o orçamento de 2016 ao Forum da Competitividade, após o que me convidou algumas vezes para o seu programa na TVI24. Achava piada que me dissesse “tenha paciência”, como se para mim fosse algum frete ir ao “Olhos nos olhos”.

Em geral, apresentava-me um tema para eu desenvolver e preparávamos o programa através de uma breve troca de mails. Era sempre recto e simpático no trato privado, nunca tivemos atritos.

Tenho que lhe agradecer – publicamente – o facto de ele me ter elogiado, também publicamente, um dos gráficos que apresentei no programa, que revelava o desastre que foram o crescimento económico em Portugal nos últimos 16 anos, só ultrapassado pela Itália e pela Grécia, desmontando a ideia de que o problema do crescimento estaria na austeridade da troika.

Medina Carreira era um português ímpar, pela sua voz livre. A propósito disso, tomo a liberdade de citar o que o meu amigo Jorge Costa escreveu no seu mural do Facebook:

“Medina Carreira. Há figuras que nos marcam profundamente. Não é tanto pelo que dizem. Mas pelo como. Pelo como das suas vidas públicas. Só sabemos verdadeiramente o que quer dizer “homem livre” quando conhecemos homens livres, verdadeiramente livres. Antes disso, a noção não nos toca, é uma abstracção inerte. É preciso sabermos de homens assim – e eles são tremendamente raros – para que a possibilidade de se ser assim se torne uma possibilidade – para nós. É assim como a passagem da possibilidade em si para a possibilidade em nós. Isso é que é marcar profundamente. Medina foi um deles. Por tudo, obrigado. Descansa em paz.”

À família, deixo os meus sentidos pêsames.


[Publicado no jornal online ECO]

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