Medina Carreira era um
homem lúcido e livre e pagou um preço por isso, num país que não o soube
aproveitar.
Henrique Medina Carreira deixa-nos mais pobres com a sua
partida e deixo aqui um humilde tributo ao seu contributo para o país.
Foi ministro das Finanças no 1º governo constitucional,
entre 1976 e 1978, e nunca mais se esqueceu disso. Em França, um ex-ministro
mantém o título honorífico de ministro e Medina Carreira manteve sempre a
atitude de um ministro das Finanças. Sei que telefonava aos seus sucessores,
pelo menos àqueles por quem tinha consideração, a dar-lhes conselhos.
Nos anos do desastre socrático, foi dos primeiros a levantar
a voz e alertar para os problemas que se estavam a gerar, uma raridade entre
instituições que deveriam ter lançado alertas também, mas que permaneceram num
silêncio ensurdecedor, em particular o Banco de Portugal.
É uma pena que o país não tenha sabido aproveitar os seus
avisos, porque se poderia ter evitado muito sofrimento posterior. Se a asneira
não tivesse ido tão longe, a austeridade forçada a partir de 2011 não teria
necessidade de ser tão dura.
A sua voz livre teve um preço: perdeu muitos clientes do seu
escritório de fiscalista. Este facto merece dois comentários. Por um lado, é um
sinal do excessivo poder do Estado e do governo que pode actuar de forma
caprichosa para prejudicar quem o enfrenta. Por outro, revela uma sociedade
medrosa, em que mesmo cidadãos e empresas prósperos têm medo de indispor o
poder.
Conheci-o pessoalmente há pouco mais de um ano, quando fui
fazer uma apresentação sobre o orçamento de 2016 ao Forum da Competitividade,
após o que me convidou algumas vezes para o seu programa na TVI24. Achava piada
que me dissesse “tenha paciência”, como se para mim fosse algum frete ir ao
“Olhos nos olhos”.
Em geral, apresentava-me um tema para eu desenvolver e
preparávamos o programa através de uma breve troca de mails. Era sempre recto e
simpático no trato privado, nunca tivemos atritos.
Tenho que lhe agradecer – publicamente – o facto de ele me
ter elogiado, também publicamente, um dos gráficos que apresentei no programa,
que revelava o desastre que foram o crescimento económico em Portugal nos
últimos 16 anos, só ultrapassado pela Itália e pela Grécia, desmontando a ideia
de que o problema do crescimento estaria na austeridade da troika.
Medina Carreira era um português ímpar, pela sua voz livre.
A propósito disso, tomo a liberdade de citar o que o meu amigo Jorge Costa
escreveu no seu mural do Facebook:
“Medina Carreira. Há figuras que nos marcam profundamente.
Não é tanto pelo que dizem. Mas pelo como. Pelo como das suas vidas públicas.
Só sabemos verdadeiramente o que quer dizer “homem livre” quando conhecemos
homens livres, verdadeiramente livres. Antes disso, a noção não nos toca, é uma
abstracção inerte. É preciso sabermos de homens assim – e eles são
tremendamente raros – para que a possibilidade de se ser assim se torne uma
possibilidade – para nós. É assim como a passagem da possibilidade em si para a
possibilidade em nós. Isso é que é marcar profundamente. Medina foi um deles.
Por tudo, obrigado. Descansa em paz.”
À família, deixo os meus sentidos pêsames.
[Publicado no jornal online ECO]
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