O sucesso eleitoral dos partidos anti-euro deverá fazer subir os diferenciais das taxas de juro entre a Alemanha e a periferia, em particular em Portugal
O ano de 2017 poderia ser de continuação de recuperação da crise de 2008, mas as incógnitas políticas poderão impedir que assim seja.
A maior destas incertezas deverá ser a presidência Trump, que poderá iniciar uma guerra comercial com a China, sendo difícil de antecipar até subirão e se espalharão as hostilidades.
As negociações do Brexit deverão iniciar-se e poderão oferecer-nos um olhar sobre o futuro da UE. Será que os líderes europeus vão tomar consciência dos erros cometidos, que provocaram o Brexit, ou vão castigar quem se atreveu a dizer que o rei ia nu? Temo que seja a segunda via a escolhida.
O que faria mais sentido é que a UE fosse reformada – leia-se aligeirada – para que estar neste espaço fosse mais atraente, o que até poderia, no limite, evitar a concretização do Brexit. Infelizmente, o caminho que parece que será trilhado deverá ser o de pretender manter os actuais membros, com a ameaça do mal que poderá decorrer da saída, tal como já sucede hoje com euro, em que os países participam só porque o divórcio é horrível. Durante algum tempo, esta estratégia poderá funcionar na prática, mas com o custo de alimentar um ressentimento crescente, que, quando explodir, não será nada bonito de se ver.
Na Europa continental, há um conjunto significativo de eleições, em Março na Holanda, na Primavera em França, no Outono na Alemanha, no início de 2018 (ou antes, se o governo não aguentar até lá), em Itália.
Todas estas eleições têm um padrão comum: os partidos anti-euro e anti-imigração estão em crescendo nas sondagens. Neste momento, as perspectivas de vitória são limitadas, mas quantos ataques terroristas haverá nos próximos meses e qual será o seu impacto na atracção destes partidos? Pior ainda, quantos abstencionistas é que se transformarão em eleitores destes partidos anti-sistema?
Uma coisa parece certa: os investidores deverão aumentar a probabilidade atribuída ao fim do euro, mesmo que esta probabilidade permaneça claramente abaixo dos 50%. Isto implica um aumento do diferencial de taxas de juro entre a Alemanha e os países periféricos, com destaque para Portugal, que é hoje o país em pior posição, a seguir à Grécia.
Em termos bancários, será que assistiremos ao colapso de um gigante europeu?
No nosso país, as incógnitas políticas também não são menores. Para além de eventuais efeitos externos, que até poderão ser fatais, como a referida subida das taxas de juro, os dois dados principais são as eleições autárquicas no Outono e a preparação do orçamento para 2018, na mesma altura.
Dada a quase abstenção do PSD e a cobertura limitada do CDS, o PS poderá ter uma vitória significativa nas autárquicas. Se as sondagens se mantiverem favoráveis, poderá ser interessante para António Costa demitir-se para governar com uma base mais estável do que actualmente e para sair do sufoco das negociações com os parceiros, sobretudo sobre o orçamento. Aliás, o orçamento de 2018 está sob risco, porque há um conjunto de medidas de aumento da despesa que só vigoram parcialmente durante 2017, aplicando-se durante todo o ano seguinte. É claro, e convém insistir, que a conjuntura externa pode estragar tudo isto.
A única certeza é que 2017 deverá ser também um ano “interessante”.
[Publicado no jornal online ECO]
terça-feira, 27 de dezembro de 2016
quarta-feira, 21 de dezembro de 2016
Pensar a cinco anos
As mudanças trazidas
por 2016, deveriam levar-nos a pensar que os próximos cinco anos deverão trazer
alterações profundas no euro, nos fundos comunitários e na própria UE.
Julgo que poucos duvidarão que os historiados futuros
considerarão o ano de 2016 como de viragem. Quer o Brexit, quer a eleição de
Trump representam um corte com as tendências políticas do pós-guerra, de
integração europeia no primeiro caso e abertura ao exterior no segundo, para
além de também terem em comum o facto de terem sido negados até à véspera.
Ainda não sabemos quais são as alterações que se seguem, mas podemos
conjecturar algumas delas num prazo de, digamos, cinco anos. Tal como nos casos
referidos, muitos as negarão até se verem confrontados com elas.
O fim do euro é certamente algo a ponderar neste prazo,
porque as tensões de desagregação da UE são fortes e a moeda europeia está na
base de muitas destas dificuldades e enfrenta uma crescente oposição política
em inúmeros países.
Fora do euro, Portugal ficará numa posição muito mais frágil,
e tanto mais frágil quanto mais erros cometer antes do final desta moeda. A
razão porque a DBRS nos salvou do lixo foi por acreditar no enquadramento do
euro como fortemente disciplinador do país. Sem euro, essa rede de segurança
desaparece e ficamos muito mais sozinhos. Aí, o que passa a contar é a nossa
história nacional e ela não é brilhante nem antes do euro nem durante.
Conseguem imaginar os custos brutais de acrescentar a isso uma restruturação da
dívida? Um problema de reputação não é muito caro dentro do euro, mas é
caríssimo fora da moeda única.
Uma razão adicional para nos portarmos bem é que as
condições de saída do euro não estão definidas e quanto melhores as nossas
“notas”, mais poder negocial teremos.
Com a diminuição da solidariedade europeia em curso, não
custa nada imaginar que o orçamento comunitário, se existir, será muito menos
generoso a partir de 2021, pelo que, por esta via, também ficaremos mais
dependentes de nós próprios.
A própria UE, se sobreviver aos próximos cinco anos, será
uma versão empalidecida da de hoje, mais enfraquecida e desprestigiada.
O que isto implica para Portugal, é que precisamos de ser
muito “bom aluno” e fazer o trabalho de casa para nos prepararmos para um mundo
em que não podemos contar muito nem com a solidariedade nem o prestígio da UE.
Temos que ter as contas públicas na ordem, sem artifícios
nem ilusões, e precisamos de reformas estruturais sérias para sairmos da
estagnação dos últimos 16 anos. A nossa envolvente vai-se deteriorar e se não
nos prepararmos, vamos pagar caro por isso.
É claro que se nenhum destes riscos se materializar, não
perdemos nada em nos termos portado bem, muito pelo contrário. Ou seja, não há
desculpa nenhuma para evitar fazer o que precisa de ser feito.
[Publicado no jornal online ECO]
terça-feira, 13 de dezembro de 2016
Reestruturar a dívida?
Reestruturar a dívida
pública levaria o sistema bancário à falência e exigiria um novo resgate da troika. Têm a certeza que é isso que querem?
Em relação aos mais variados assuntos é muito importante
distinguir entre objectivos e instrumentos. O objectivo é aquilo que
verdadeiramente interessa, enquanto os possíveis instrumentos são completamente
secundários, devendo ser escolhidos com flexibilidade e inteligência, sendo
absurdo qualquer tipo de finca-pé em relação a um instrumento específico.
No caso da dívida pública, o objectivo – totalmente
consensual – será diminuir o peso dos seus encargos. No caso português, quais
são os instrumentos possíveis para alcançar isto? Um primeiro instrumento, que
é um objectivo em si mesmo e até mais importante do que diminuir o peso da
dívida, é crescer de forma robusta e sair da estagnação dos últimos 16 anos.
Com mais PIB, o rácio da dívida sobre o PIB irá diminuindo naturalmente, para o
mesmo nível de défice público.
Se queremos crescer mais não devemos reverter as reformas do
tempo da troika cujo objectivo era
exactamente esse, nomeadamente no mercado de trabalho, nem afugentar
investidores com reversão de privatizações e contratos de concessão.
Um segundo instrumento para diminuir os encargos com a
dívida é reduzir o défice público, o que ajuda por duas vias: porque a dívida
se vai reduzindo e porque o bom comportamento se traduz em taxas de juro mais
baixas.
O caminho não é certamente assustar investidores (da
economia real), que leva à desaceleração da economia, que faz cair as receitas
fiscais, que coloca as metas orçamentais em causa, que afasta investidores
financeiros e faz subir as nossas taxas de juro.
Há quem avance com um terceiro instrumento, a reestruturação
da dívida. Como é que este instrumento se compara com os anteriores e como é
que se relaciona com eles? Desde logo, tem que se reconhecer que o primeiro
instrumento – crescer – é muito mais importante do que este terceiro
instrumento, porque é um objectivo em si mesmo, do qual depende tudo o resto,
desde a criação de emprego até à preservação do Estado social. É certamente
absurdo tomar medidas que impedem o crescimento e depois vir defender a
reestruturação da dívida.
Em seguida tem que se dizer, que uma reestruturação da
dívida implica ficar fora dos mercados financeiros durante um período
significativo, porque tão cedo não conseguiremos que haja quem confie em nós.
Ou seja, o terceiro instrumento pressupõe a aplicação do segundo instrumento e
um novo resgate da troika. É que a
banca portuguesa iria toda à falência, porque são dos grandes investidores em
dívida portuguesa. Como é que um Estado sem acesso aos mercados financeiros
poderia recapitalizar todo um sistema bancário falido?
Como é óbvio, a troika
iria impor medidas para conseguir os dois primeiros instrumentos referidos.
Aliás, não faria qualquer sentido reestruturar a dívida e deixar intacto o que
nos levou a uma dívida muito elevada (fraco crescimento e défices excessivos).
Em relação às taxas de juro pós-reestruturação, convém
recordar que na Grécia, que já fez uma restruturação, as taxas de juro só há
poucos meses é que diminuíram para menos de 8%. Em Portugal, no final de 2015,
estavam em 2,5% enquanto em Espanha se fixavam nos 1,8%. Entretanto, no nosso
vizinho caíram para 1,5%, como na generalidade dos países europeus, enquanto em
Portugal subiram para 3,8%, graças às “excelentes” escolhas deste governo. Com
medidas melhores, elas poderiam estar entre 2% e 2,5%, enquanto com uma
reestruturação é facílimo que ultrapassassem os 5%. Ou seja, mesmo que
conseguíssemos cortar a dívida em metade (no mais fantasioso delírio), nem isso
faria diminuir os encargos com juros. Para já não falar em como ficarmos com o
carimbo de “caloteiros” seria um desastre para a atracção de investimento e
criação de emprego.
Concluindo: o instrumento reestruturação para o objectivo de
reduzir os encargos com a dívida é não só pior do que os outros instrumentos
disponíveis, como até contraproducente. Será excessivo pedir que se adopte uma
abordagem racional?
[Publicado no jornal online ECO]
terça-feira, 6 de dezembro de 2016
E agora, Itália?
O “não” italiano de
Domingo colocou o país mais próximo de um referendo à permanência no euro.
1. O sistema constitucional italiano, tal como o português,
está, ironicamente, muito influenciado pela ditadura passada. Em Itália, o
sistema eleitoral dificulta a criação de governos maioritários e o facto de
haver um Senado e uma câmara baixa dificulta a aprovação de legislação. Em
Portugal, existe o primeiro problema, que se foi atenuando ao longo do tempo.
A ironia maior desta situação é uma ditadura ter uma
influência tão longa e perversa sobre o regime que a substitui. O receio da
concentração de poderes leva a criar um sistema de governo instável e lento a
tomar decisões o que dá um mau nome à democracia. A má reputação da democracia,
por seu lado, poderia dar popularidade a uma tentação autoritária que,
felizmente, não se tem materializado. Há aqui uma enorme perversão: o medo da
ditadura cria condições para o seu retorno.
A reforma referendada no domingo passado em Itália tinha o
objectivo de retirar quase todos os poderes ao Senado, justamente com o
propósito de agilizar a tomada de decisões. O argumento contra o medo da
ditadura fascista do passado fez-se ouvir, bem como críticas à qualidade da
reforma apresentada, nomeadamente por conter uma norma segundo a qual um
partido que ganhe as eleições com 40% teria um bónus de deputados por forma a
ficar com 56% dos deputados no parlamento. Qualquer que seja a importância
relativa destas duas críticas, a reforma foi claramente chumbada e o primeiro
ministro demitiu-se, como tinha prometido, embora houvesse professores de
ciência política que não acreditassem que cumprisse esta promessa.
O que se segue, no plano político, tanto poderá ser um novo
governo, liderado pelo próprio Renzi ou outro, até às eleições do início de
2018, ou eleições antecipadas. Seja qual for o momento que se realize um novo
acto eleitoral, o partido de Beppe Grillo está bem colocado nas sondagens e já
prometeu um novo referendo, desta vez à permanência do euro. O euro pode não
ser a causa dos problemas italianos, mas desde a sua entrada nesta nova moeda
só houve um país com um desempenho pior do que a Itália, a Grécia, pelo que é
impossível sobrevalorizar o impacto desestabilizador dum tal referendo.
No plano económico, a salvação do sistema bancário italiano
sofre um duro golpe, ficando muito mais difícil de concretizar num cenário de
múltiplas incertezas.
2. Hoje em dia, a história é subvalorizada, sendo pouco ensinada
na sua componente política, que é “mestra da vida”. No entanto, é indesmentível
que a chegada do exército otomano às portas de Viena, no século XVIII, tem um
peso importante no inconsciente colectivo da Áustria e da Hungria.
A última vez que Portugal esteve em guerra com Espanha foi
entre 1640 e 1668 e, mesmo assim, ainda não há muito tempo se olhava com grande
desconfiança em relação aos nossos vizinhos, com quem partilhamos inúmeras
características.
Em contrapartida, a Hungria tem uma história de invasões (a
última foi em 1956) e subjugação a poderes externos e é impossível que a
passagem de multidões de refugiados não faça vir ao de cima todos os medos do
inconsciente colectivo desta nação. Não se pode pedir a este país o mesmo que a
países com uma história mais tranquila.
No caso da Áustria, como centro de império, mais dono do seu
próprio destino, poderá não haver tantos receios como no caso da Hungria, mas o
trauma de assistir a Viena ameaçada está presente no inconsciente colectivo
deste povo e estará a ser reacendido pelo afluxo de refugiados de culturas
muito distintas.
Desta vez, a extrema-direita não ganhou as eleições, mas
obteve quase 47% dos votos, pelo que poderá chegar ao poder numa próxima
eleição.
A obsessão pela uniformização na UE, em vez da promoção de
liberdade, geradora de soluções mais criativas, está a levantar cada vez mais
problemas. Não se pode obrigar Estados com histórias completamente diferentes a
terem hoje as mesmas políticas, porque o passado carrega um peso significativo.
[Publicado no jornal online ECO]
sábado, 3 de dezembro de 2016
Trump e Portugal
Trump deverá,
indirectamente, levar o BCE a deixar de comprar dívida pública portuguesa,
cujas taxas de juro deverão subir e ficar mais vulneráveis.
Trump é simultaneamente imprevisível e incoerente e esta
segunda característica reforça a primeira. Quer uma América mais isolacionista,
mas pretende aumentar a despesa em Defesa. Qual dominará?
Em termos económicos já disse que queria um programa de
estímulo, mas também mais proteccionismo. Em relação ao estímulo, teme-se que
em vez de investimentos financiados com dívida pública, com taxas de juro muito
baixas, apesar do efeito da sua eleição as ter subido, pretende entrar nas
famigeradas parcerias público-privadas, com os contratos mais nebulosos
possíveis (isto faz-vos lembrar alguma coisa?), para alimentar amigos e
provavelmente receber comissões com isso.
O expansionismo orçamental previsto deverá acelerar a
economia, que ainda apresenta uma folga significativa, apesar de a taxa de
desemprego já estar muito baixa, reforçando a apreciação do dólar, que já se
iniciou por antecipação.
Ora esta apreciação do dólar deverá alargar o défice externo
americano, num movimento oposto ao desejado por impulsos proteccionistas, pelo
que é possível que estes se intensifiquem algum tempo depois.
Na Europa em geral e em Portugal em particular podem
estimar-se dois efeitos positivos, da depreciação do euro e do contágio do
dinamismo americano ao continente europeu, quer por vida directa (do que
exportamos para os EUA), quer indirecta (do que exportamos para os países que
exportam para os EUA). Resta um efeito potencialmente negativo, que se prende
com a incerteza que deverá rodear a futura política económica e também militar
da maior potência mundial.
A depreciação do euro deverá ter impacto sobre a inflação da
zona euro, que o BCE estimava, em Setembro, que aceleraria para 1,2% em 2017 e
1,6% em 2018. Dado que a política monetária tem um desfasamento muito longo
sobre os preços (6 a 8 trimestres), o BCE deverá dar uma atenção especial às
previsões para 2018, já muito próximas da sua meta de inflação (“abaixo mas
perto de 2%”) que deverão ser claramente revistas em alta devido à evolução
cambial do euro. Deve ainda acrescentar-se que, infelizmente, o BCE encara a
sua meta de forma assimétrica, considerando pouco importante ficar muito abaixo
da meta, mas muito grave ficar um pouco acima dela.
Por isso, é mais do que provável que em Março do próximo
ano, quando cessa o programa de expansão quantitativa em vigor, ele não seja
substituído por mais nenhum outro e o BCE deixe de comprar dívida pública
portuguesa. Ou seja, aos efeitos atrás referidos há que acrescentar este,
deixando Portugal de estar anestesiado pela política do BCE e passando as
nossas taxas de juro a ficar muito mais vulneráveis. Isto não tem que se
traduzir necessariamente numa subida mais acentuada das taxas de juro da que se
verificar nos outros países (que é quase certo que venha a acontecer pela
alteração das políticas do BCE), mas vai implicar que os mercados vão ser
capazes de exercer uma vigilância mais apertada sobre as nossas políticas e
orçamentais. Na perspectiva do país, não se pode dizer que isso seja negativo,
mas na óptica do governo e seus apoiantes, o caminho ficará mais estreito.
[Publicado no jornal online ECO]
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