sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O PSD hibernou?

Um governo que está a levar o país até à beira do abismo sobe nas sondagens por falta de comparência da oposição, em especial do PSD.

Como o FMI ainda recentemente sublinhou, a queda do investimento e a desaceleração da economia são da responsabilidade do actual executivo, que parece empenhado em fazer tudo para que Portugal venha a necessitar de um novo resgate. Mesmo assim, as sondagens são muito favoráveis ao PS e penalizadoras da oposição.

A explicação mais superficial, mas verdadeira, é a diferença de habilidade política dos respectivos protagonistas, cujo caso paradigmático foi Passos Coelho ter aceite apresentar um livro de mexericos sobre políticos, que não tinha lido. Como era completamente previsível, o caso levantou imensa celeuma, até porque o próprio autor reconheceu que havia casos que roçavam a violação da privacidade. Pois o líder do PSD conseguiu manter a sua posição e inclusive teve a ingenuidade de pedir que não houvesse aproveitamentos políticos da situação, como se tivesse entrado para a política na semana anterior. Só passado demasiado tempo é que desistiu de apresentar o livro. O autor deste reconheceu que isso era o mais sensato, embora não tenha conseguido deduzir que isso implicava que também teria sido mais sensato não o ter escrito.

Este caso seria irrelevante se não fosse revelador de várias coisas: falta de intuição política, uma teimosia que destrói a pouca intuição que terá, estar muito mal aconselhado ou não ouvir os seus conselheiros. Se isto é mau no caso referido, pode ser péssimo nas matérias que um primeiro ministro tem que decidir e recorda-mo-nos de vários casos do passado.

Além disso, o PSD tem estado muito ausente do debate público, mesmo quando o governo toma medidas que são não só absurdas, como vêm destruir aquilo que a direita tinha feito no governo, uma razão acrescida para defender a sua dama. Continuo a não perceber porque é que não formam um governo sombra, para haver uma responsabilidade concreta sobre cada matéria e não uma responsabilidade difusa que, ainda por cima, o líder deveria gerir, mas não o faz. Pode não haver um responsável fixo por assunto, mas deve haver sempre um responsável para cada matéria.

O PSD precisa de se preparar para ser governo e não estar à espera que o actual caia de podre, até porque é muito provável que António Costa deixe o país em muito maus lençóis e que o próximo executivo tenha uma tarefa muito complicada em mãos.

Também gostaríamos que os últimos 16 anos de estagnação chegassem ao fim, mas o PSD não demostrou ainda estar consciente desta realidade e da necessidade de ser muito mais ambicioso para a resolver. Este partido precisa – com urgência – de fazer um grande trabalho de casa para quando voltar ao governo e não estar na oposição a dormir ou, quando muito, a “mandar bocas”.

Em relação a ambição política, também tem que acordar para as autárquicas, onde parece que já se instalou a aceitação de uma derrota anunciada. Muito pelo contrário, há muitas razões para vitórias, sobretudo em Lisboa, onde o actual presidente da câmara, um socialista de segunda linha, não eleito, tem feito um trabalho desastroso no trânsito, sem qualquer base técnica nem legitimidade política, porque esta transformação da cidade nunca foi a votos. Aliás, o recuo nas obras da 2ª circular parece indicar que já percebeu que tem que recuar, que as coisas não estão a correr bem.

A direita precisar de se coligar em Lisboa, porque o presidente da câmara é sempre o do grupo que tiver mais votos. Se, nas actuais condições não o conseguir, bem pode arrumar as botas.


[Publicado no jornal “i”]

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Fuga de capitais

Se queriam fomentar a fuga de capitais e a não entrada de outros mais, não podiam ter escolhido nem melhor altura nem melhor medida do que criar um novo imposto sobre o património imobiliário.

Quando este governo tomou posse havia um conjunto de questões que não podia ignorar: o nível muito elevado da nossa dívida externa (mais de 100% do PIB), só possível graças ao euro; a estrutura extremamente frágil desta dívida, demasiado financeira e, por isso, com risco de não ser re-financiada; a muito baixa confiança dos investidores, com três das quatro agências de rating consideradas pelo BCE a classificarem a dívida pública como “lixo” e a quarta a colocá-la apenas a um nível daquela avaliação; um nível de investimento abaixo do mínimo para a manutenção dos equipamentos, desde 2012; um nível insuficiente de poupança; Portugal estar na zona do euro, onde é imperioso existir liberdade de circulação de capitais.

Estes eram os dados do problema, que o executivo parece ter ignorado: reverteu privatizações e concessões; não cumpriu o compromisso assumido pelo PS na reforma do IRC; reverteu algumas reformas aprovadas por pressão da troika, imprescindíveis para o crescimento e o emprego. Os resultados não se fizeram esperar, com uma queda do investimento logo no 1º trimestre da nova governação, com uma significativa queda na confiança, que já não era muita.

Desde então, o governo tem-se mostrado incapaz de aprender e de recuar nos seus erros. Assim, é sem surpresa que se tem assistido a uma deterioração do crescimento económico, metade do previsto no orçamento, uma excepção na Europa; a um agravamento da queda do investimento; a uma subida pronunciada das taxas de juro, ao contrário do que está a acontecer no resto da zona euro; a uma queda das remessas dos emigrantes, muito forte em Julho, só explicável por uma forte perda da confiança.

Como se as coisas não estivessem já suficientemente más, eis que o governo consegue inventar algo ainda pior: um novo imposto sobre o património imobiliário, com contornos ainda indefinidos. O primeiro problema é que vai afectar apenas um certo tipo de património, deixando de lado os mais ricos, que detêm sobretudo acções e obrigações e não vão pagar mais nada. Aliás, tudo indica que os actuais proprietários irão criar empresas com os seus imóveis, passando a accionistas e deixando de pagar este imposto. Depois, afasta o investimento externo que, apesar de tudo, vamos conseguindo com os vistos gold e reformados de outros países, atraídos pela nossa fiscalidade. Também deve afectar a disponibilidade de casas para arrendar, um problema que se tem agravado com o sucesso do turismo.

Por tudo isto, é mais do que provável que as receitas deste imposto sejam muito menores do que o estimado. Serão certamente muito menores do que os 375 milhões de euros que custa anualmente a diminuição do IVA na restauração, que não trouxe baixa de preços nem aumento de emprego, pelo que seria mil vezes preferível recuar nesta medida, que nunca fez sentido.

Dizem-nos que este imposto vai afectar um número muito reduzido de contribuintes, mas quem é que pode acreditar que vamos ficar por aqui? Desde 2002 que todos os partidos que ganharam as eleições o fizeram jurando que não aumentariam os impostos, para fazerem o oposto mal chegaram ao poder. O PS desrespeitou o compromisso do próprio partido sobre o IRC, pelo que as suas promessas fiscais não valem nada.

Este imposto vai servir para ajudar os pobres? Não, é para financiar benesses das clientelas partidárias do governo, como temos visto na execução orçamental de 2016. Finalmente, os partidos políticos vão pagar este novo imposto ou vão continuar isentos?


[Publicado no jornal “i”]

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Engolir sapos

Toda a esquerda irá ser obrigada a engolir muitos sapos, para evitar que a descida de perspectivas da DBRS sobre Portugal seja a antecâmara de um novo resgate e de uma nova maioria absoluta da direita, com maiores perdas de “conquistas de Abril”.

Esta semana veio acentuar a previsão que fiz na semana passada, de que a agência de rating DBRS iria baixar as nossas perspectivas de “estáveis” para “negativas”. Por um lado, a ARC ratings (a antiga Companhia Portuguesa de Rating, agora com parceiros internacionais) fez isso mesmo, embora esta agência não seja relevante para o BCE. Por outro, o ministro das Finanças, um “prodígio” político, veio mesmo dizer que evitar um segundo resgate (ou o quarto desde o 25 de Abril) era a sua principal preocupação, uma mudança de discurso radical face aos últimos meses, um inequívoco reconhecimento da forte degradação da nossa condição.

Gostaria hoje de explicar porque, na actual situação, aquela decisão é a melhor, para quase todos. Para a DBRS, isso irá aumentar a sua visibilidade internacional, porque coloca Portugal a um passo do abismo e totalmente dependente da próxima decisão dela. Se tudo correr pelo melhor, o governo português tomará fortes medidas que permitirão a recuperação das perspectivas para o nível de “estáveis” dentro de seis meses. Isto será magnífico, até para o ego dos dirigentes da DBRS, por conseguirem “mandar” no executivo luso.

Para a Comissão Europeia e para o Conselho Europeu isto será também excelente, porque não têm que recorrer às polémicas sanções, porque a decisão desta agência de rating faz o trabalho sujo por eles, obtendo os resultados desejados.

Para Portugal, o ideal seria, obviamente, que este governo ou não tivesse optado pela mais disparatada política económica e orçamental ou que fosse capaz de reconhecer as suas péssimas consequências e estivesse a arrepiar caminho. Mas já que este executivo não aprende, o mal menor é a decisão da DBRS a 21 de Outubro, para colocar um ponto final na irresponsabilidade vigente.

Para a coligação de esquerda é que vai ser horrível. Vão começar por ficar numa posição muito frágil, com a ameaça de um novo resgate se não tomarem fortes medidas e recuarem em algumas que decidiram e terão que reconhecer que estavam errados. Se recordarmos a pirueta do Syriza, muito mais combativo do que os partidos de esquerda portugueses, podemos presumir que todos eles, até o PCP, se renderão à evidência que têm de “obedecer” à DBRS. A alternativa seria o retorno da troika, eleições antecipadas e uma mais do que provável nova maioria absoluta da direita. Nesta reencarnação, é muito provável que este novo governo destruísse muito mais “conquistas de Abril” do que o anterior, pelo que o PCP deve estar disponível para engolir muitos mais sapos do que afirma actualmente.

Aliás, a 15 de Novembro deverá ser divulgada a estimativa rápida do PIB do 3º trimestre, que deverá constituir a machadada final na política económica do governo, ao revelar que não há retoma nenhuma, sendo que as perspectivas para o 4º trimestre se terão deteriorado profundamente, com a mais do que provável decisão da DBRS.

Quanto à direita, continua a não reconhecer que, em 2011, foi mal preparada para o governo e que, por isso, fez um trabalho pouco mais do que sofrível, tendo fracassado vergonhosamente na reforma da despesa pública. Não se compreende, assim, porque estão a dormir à sombra da bananeira, à espera que este executivo caia de podre. Acham que resolveram o problema da estagnação dos últimos 15 anos? O que é que estão à espera para estudar, planear, preparar o regresso ao poder? Julgam que basta um pouco de demagogia? Acham que o país não merece melhor?


[Publicado no jornal “i”]

sábado, 10 de setembro de 2016

Rating em risco

A 21 de Outubro, a DBRS deve diminuir as perspectivas do rating de Portugal de “estáveis” para “negativas”, com graves consequências financeiras, económicas e políticas

Os últimos desenvolvimentos em Portugal têm vindo a colocar a sustentabilidade das finanças públicas em causa. A política económica do governo, ao afectar muito a confiança dos empresários, está a contrair o investimento e a enfraquecer o PIB pelo lado da procura e não se imagina como isto possa ser corrigido a breve trecho.

As reversões de algumas das reformas do tempo da troika deverão afectar o PIB do lado da oferta de forma relativamente duradoura, agravando os efeitos do lado da procura. Um avaliador externo deverá encarar isto com a maior apreensão, tendo uma dificuldade excepcional em perceber como é que um governo de um país que tem um fortíssimo problema de estagnação económica há 15 anos toma medidas que ainda vão aprofundar esta fragilidade.

Perante este crescimento económico muito mais fraco do que o previsto, o que o governo deveria ter feito era, em primeiríssimo lugar, recuar em todas as medidas que assustaram os investidores, mas isso seria negar o seu ADN. Mas já que isso lhes era impossível, poderiam ter encontrado medidas adicionais que permitissem limitar o efeito da debilidade da economia sobre as contas públicas. Em vez disso, o executivo tomou três medidas que vão agravar as contas públicas a partir do 2º semestre: reposição de salários na função pública, 35 horas na administração pública, diminuição da taxa do IVA da restauração. De novo, um estrangeiro (ou mesmo um português que não esteja anestesiado pela propaganda) duvidará certamente da responsabilidade e seriedade de um governo que toma tais medidas, o exacto oposto do que faria sentido.

Além disso, a execução orçamental está a correr muito pior do que os números oficiais afirmam, sendo que nem estes nos mostram valores tranquilizadores.

Acresce que as taxas de juro da dívida portuguesa são as únicas, dentro da zona euro, que subiram nos últimos 12 meses. No 2º trimestre o PIB nominal cresceu apenas 2,6%, menos do que a taxa de juro a 10 anos, que estive acima dos 3% durante quase todo esse período. O PIB nominal a crescer abaixo das taxas de juro é algo muito preocupante para a sustentabilidade da dívida pública.

Ou seja, todos os indicadores apontam no mau sentido, de uma forma que está longe de ser passageira, e justificariam uma redução do nosso rating. É por isso, com acrescida expectativa que se aguarda a decisão da agência de notação Dominion Bond Rating Service (DBRS) sobre Portugal, que deverá ser anunciada a 21 de Outubro.

A 15 de Outubro deverá ser conhecida outra informação crucial: as medidas adicionais para 2016 que Bruxelas exigiu, quase em alternativa às sanções; e a proposta de orçamento para 2017. Em relação às primeiras, o governo está numa teimosia inexplicável, tudo indicando que não apresentará nada. Em relação ao orçamento, as cedências públicas ao BE e PCP indicam que não será encarado com bons olhos pela DBRS.

Esta agência pode tomar duas decisões: ou manter o rating mas baixar as perspectivas de “estáveis” para “negativas” ou baixar mesmo o rating. Julgo que optará pela primeira, até como manobra de marketing, maximizando a sua visibilidade mundial, e também porque pode sempre baixar a notação alguns meses depois.

Uma tal decisão colocará o país à beira do precipício, com forte subida das taxas de juro, mas ainda com hipótese de recuperação, se o governo se dispuser a tomar finalmente as medidas que até agora se tem recusado. Como se imagina, isso colocará uma pressão máxima sobre a coligação de esquerda e não é seguro que ela lhe sobreviva.

[Publicado no jornal “i”]

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

As 4 liberdades europeias

Devemos respeitar os medos de milhões de eleitores e ponderar a suspensão temporária da liberdade de circulação de trabalhadores na UE

A integração europeia tem-se caracterizado pelo aprofundamento de 4 liberdades económicas: livre circulação de bens, de serviços, de capital e de trabalhadores.

A liberdade de circulação de bens é a mais difundida no mundo, sendo a mais consensual. Ironicamente, a maior excepção a esta regra refere-se aos bens agrícolas, regidos pela Política Agrícola Comum (PAC), a maior contradição dos princípios de economia de mercado da UE e o mais escandaloso desperdício de recursos públicos da Comunidade, que se tem revelado impossível de reformar por puro capricho e interesse da França.

A livre circulação de serviços não está tão difundida, mas ainda é relativamente consensual, tem grandes afinidades com a anterior e os serviços são hoje uma componente muito mais vasta do PIB do que os bens nas economias avançadas.

A liberdade de circulação de capitais é claramente um luxo de países ricos, havendo vários estudos a revelar que tentar impor isso a economias menos desenvolvidas é o caminho para o desastre. Por isso, pretender que em todos os Estados da UE exista esta liberdade é uma fantasiosa perigosa. Felizmente, vários destes países nem sequer reúnem condições para participar no Mecanismo de Taxas de Câmbio II, quanto mais ter liberdade de circulação de capitais.

A livre circulação de trabalhadores (não façam confusão, é de trabalhadores e não de pessoas que se trata) é, neste momento, uma das questões politicamente mais quentes, estando a alimentar partidos em toda a Europa e tendo sido um dos maiores impulsionadores do voto Brexit.

Pode ser que a liberdade de circulação de trabalhadores seja, a nível macroeconómico, uma vantagem, mas também é provável que ela tenha afectado alguns segmentos mais frágeis. Também é possível que o maior ressentimento seja contra imigrantes vindos de países de fora da UE.

Penso que existem razões objectivas e subjectivas para que largas franjas da população europeia esteja contra a liberdade de circulação de trabalhadores e vir com discursos cor-de-rosa sobre as vantagens da imigração não vai acalmar ninguém, só vai exaltar ânimos, porque as pessoas em causa vão sentir, com toda a razão, que não estão a ser ouvidas.

Não há nada de mais político do que lidar com as razões subjectivas do medo da imigração descontrolada ou quaisquer outros medos. Infelizmente, demasiados políticos europeus têm considerado os sentimentos destes eleitores como “feios” e decidiram ignorar estes sentimentos e até estes eleitores. Ou seja, estão a empurrá-los e a entregá-los de mão beijada aos políticos radicais, os que não têm quaisquer pruridos.

Recordemos que, nos anos 60, milhões de portugueses, espanhóis, gregos e turcos emigraram para o Norte da Europa, quando não havia liberdade de circulação de trabalhadores. Assim, talvez tenha chegado o momento de ponderar uma suspensão temporária da liberdade de circulação de trabalhadores, que estará muito longe de ser equivalente à proibição de circulação, mas antes a um controlo da circulação, para sossegar muitos eleitores. Coloco esta hipótese em cima da mesa, para ser discutida da forma mais equilibrada, pragmática, racional e calma possível.  

Temo que a falta de respeito pelos medos destes milhões de eleitores e uma rigidez absurda na “defesa” do status quo se venha a traduzir na ruína total do status quo que se se pretende preservar.


[Publicado no jornal “i”]