As necessidades de
financiamento do Estado foram 4,7% do PIB no 1º semestre, a que se deve somar o
esvaziamento dos “cofres cheios” do anterior governo, contra um défice
“oficial” de apenas 1,6% do PIB, em que é muito difícil de acreditar.
Em 2001 e em 2009 já houve problemas sérios com a
fiabilidade das contas públicas portuguesas. No primeiro caso, o governo
tentava convencer-nos de que o défice estava em 1% do PIB, apesar de as
necessidades de financiamento superarem os 5% do PIB. No final, o défice veio a
revelar-se muito superior e próximo (4,3% do PIB), como é natural, das
necessidades de liquidez do Estado.
Em 2009, até às eleições o executivo jurava a pés juntos que
as contas públicas estavam controladas, contra toda a evidência e apesar das
medidas eleitoralistas tomadas nesse ano. Depois das eleições veio a saber-se
que o défice tinha sido de quase 10% do PIB, o maior valor alcançado até então
por Portugal desde a entrada no euro. O que se passou neste caso foi
particularmente grave, porque desvirtuou profundamente os resultados eleitorais.
Se os eleitores soubessem do desastre a que Sócrates tinha conduzido as contas
públicas não lhe teriam provavelmente renovado a vitória, até porque este tinha
Manuela Ferreira Leite como adversária.
Neste momento, acumulam-se os sinais de que os socialistas
voltaram a colocar em causa a fiabilidade dos valores da execução orçamental. Os
governos podem maquilhar os valores da receita e da despesa pública, mas é
praticamente impossível disfarçar as necessidades de financiamento, porque
estes fundos precisam mesmo de ser obtidos junto do mercado e aí é quase
impossível falsear dados, sob pena de se incorrer num fatal défice de
credibilidade, que compromete o financiamento futuro.
Ora os dados oficiais do IGCP revelam que as necessidades de
financiamento do Estado no 1º semestre foram de 4,7% do PIB, superando já os
4,6% para o conjunto de 2015. Ao montante já obtido junto dos investidores
deve-se acrescentar algum esvaziar dos “cofres cheios” deixados pelo anterior
governo.
Porque é que foi necessário tanto dinheiro, se o défice do
1º semestre foi “só” de 1,6% do PIB? Repare-se que este foi feito, mesmo com o
reconhecimento oficial de atraso nos pagamentos e que é demasiado elevado para
permitir que o défice de 2016 fique abaixo dos 3% do PIB, até porque o 2º
semestre tem as contas agravadas, quer pelos atrasos do 1º semestre, quer pelas
novas medidas que entraram em vigor.
Resumindo, suspeito que as contas apresentadas pela DGO
perderam a fiabilidade e que, a menos que sejam tomadas medidas drásticas,
Portugal não sairá do processo de défices excessivos este ano e sofrerá sanções
por isso.
Sugiro que a Comissão Europeia exija uma auditoria à DGO e
deixo uma lista dos indicadores que me parecem mais suspeitos: receitas dos
impostos sobre o tabaco, o álcool e imposto de selo (andariam a subir
miraculosamente e de forma muito conveniente, de modo a compensarem a falta de
receitas nos três impostos principais que dependem da actividade económica,
IRS, IRC e IVA); reembolsos de IRS (pretensamente a subir 10,4% quando há
queixas generalizadas de atrasos); atrasos nos pagamentos (devem ser muito
superiores aos valores oficiais).
Da execução orçamental também resulta claro um outro
problema: o governo prefere sacrificar o país, com quebra drástica do
investimento público, para satisfazer as suas clientelas partidárias no sector
público, com a reposição de salários e semana das 35 horas (como é que isto não
é inconstitucional?)
[Publicado no jornal “i”]