quarta-feira, 4 de maio de 2016

Novo braço-de-ferro com a Comissão Europeia?

A austeridade está de volta mas, mesmo assim, em doses insuficientes para cumprir a redução do défice estrutural em 0,5% do PIB, como exigido pelo Tratado Orçamental.

O Programa de Estabilidade 2016-2020 recém divulgado começa por se basear num cenário macroeconómico de conto de fadas, ignorando os riscos internacionais e os sinais de deterioração da actividade já visíveis em Portugal nos últimos meses.

Não só a taxa de crescimento é fantasiosa, como a sua estrutura é perigosa, totalmente baseada na procura interna, esquecendo que uma estratégia semelhante foi o que nos conduziu aos braços da troika. Também é muito estranho que se preveja um tão forte crescimento do investimento e que as exportações líquidas tenham um contributo negativo para o PIB. Também aqui pretendem repetir os erros do passado, com maus investimentos?

Nas contas públicas, a austeridade está de volta mas, mesmo assim, em doses insuficientes para cumprir a redução do défice estrutural em 0,5% do PIB, como exigido pelo Tratado Orçamental. Vamos a um novo braço de ferro com a Comissão Europeia?

A estratégia de redução do défice foca-se no lado da despesa, o que é de saudar. Infelizmente, neste capítulo as contradições não podiam ser maiores. O governo quer reduzir sobretudo as despesas com pessoal, mas também quer reduzir o seu horário de trabalho para 35 horas, diminuir o número de alunos por turma, reabrir tribunais, descongelar as progressões na carreira, etc, etc. Como é que pode conseguir tudo isto em simultâneo? Também se fala na redução dos consumos intermédios, mas sem qualquer tipo de detalhes, devendo estar à procura de uma varinha de condão para o obter.

Infelizmente, como todos os seus antecessores, temos mais um Programa de Estabilidade que não é credível, não se percebendo por que razão a Comissão Europeia insiste em aceitar este tipo de fantasias.

Quanto à versão final do Programa Nacional de Reformas, continua com o nome errado, porque não contém nenhuma reforma digna desse nome. O mais extraordinário é que o próprio documento reconhece a sua própria irrelevância ao apresentar estimativas dos “Impactos macroeconómicos das reformas estruturais” (Anexo II).

Para não massacrar o leitor com números, vou-me limitar ao impacto sobre o emprego, que todos reconhecerão que é um problema gravíssimo. A redução dos custos de contexto deve aumentar o emprego em 0,01%, um valor que não podia ser mais ridículo. As reformas no mercado de trabalho aumentam o emprego em 0,02%, um valor tão absurdamente baixo, que quase parece que estão a gozar connosco.

As únicas medidas onde se esperam resultados significativos são na educação, que deverá a levar a um aumento do emprego de 1,38%. Este valor tem que ser encarado com cepticismo porque resulta de um equívoco entre nível de rendimento e taxa de crescimento desse rendimento.

Em termos de nível de rendimento, o nosso problema terá, pelo menos, seis séculos, bastando citar a famosa carta de Bruges do infante D. Pedro, onde se faziam muitas recomendações ao rei D. Duarte, seu irmão, para imitar o que então se fazia na Europa.

Em termos de taxa de crescimento, temos tido períodos bons, como entre 1960 e 1973 e entre 1986 e 2000 e outros péssimos, como desde 2000 até hoje. Ora nos períodos em que crescemos bem tínhamos níveis de formação muito inferiores aos de hoje e nos últimos anos até temos feito grandes progressos na redução do abandono escolar.

É evidente que investir na formação é bom, mas não se espere que isso dê um contributo significativo para resolver o nosso grave problema de competitividade preço.


[Publicado no jornal “i”]

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