A austeridade está de
volta mas, mesmo assim, em doses insuficientes para cumprir a redução do défice
estrutural em 0,5% do PIB, como exigido pelo Tratado Orçamental.
O Programa de Estabilidade 2016-2020 recém divulgado começa
por se basear num cenário macroeconómico de conto de fadas, ignorando os riscos
internacionais e os sinais de deterioração da actividade já visíveis em
Portugal nos últimos meses.
Não só a taxa de crescimento é fantasiosa, como a sua
estrutura é perigosa, totalmente baseada na procura interna, esquecendo que uma
estratégia semelhante foi o que nos conduziu aos braços da troika. Também é muito estranho que se preveja um tão forte
crescimento do investimento e que as exportações líquidas tenham um contributo
negativo para o PIB. Também aqui pretendem repetir os erros do passado, com
maus investimentos?
Nas contas públicas, a austeridade está de volta mas, mesmo
assim, em doses insuficientes para cumprir a redução do défice estrutural em
0,5% do PIB, como exigido pelo Tratado Orçamental. Vamos a um novo braço de
ferro com a Comissão Europeia?
A estratégia de redução do défice foca-se no lado da
despesa, o que é de saudar. Infelizmente, neste capítulo as contradições não
podiam ser maiores. O governo quer reduzir sobretudo as despesas com pessoal,
mas também quer reduzir o seu horário de trabalho para 35 horas, diminuir o
número de alunos por turma, reabrir tribunais, descongelar as progressões na
carreira, etc, etc. Como é que pode conseguir tudo isto em simultâneo? Também
se fala na redução dos consumos intermédios, mas sem qualquer tipo de detalhes,
devendo estar à procura de uma varinha de condão para o obter.
Infelizmente, como todos os seus antecessores, temos mais um
Programa de Estabilidade que não é credível, não se percebendo por que razão a
Comissão Europeia insiste em aceitar este tipo de fantasias.
Quanto à versão final do Programa Nacional de Reformas,
continua com o nome errado, porque não contém nenhuma reforma digna desse nome.
O mais extraordinário é que o próprio documento reconhece a sua própria
irrelevância ao apresentar estimativas dos “Impactos macroeconómicos das
reformas estruturais” (Anexo II).
Para não massacrar o leitor com números, vou-me limitar ao
impacto sobre o emprego, que todos reconhecerão que é um problema gravíssimo. A
redução dos custos de contexto deve aumentar o emprego em 0,01%, um valor que
não podia ser mais ridículo. As reformas no mercado de trabalho aumentam o emprego
em 0,02%, um valor tão absurdamente baixo, que quase parece que estão a gozar
connosco.
As únicas medidas onde se esperam resultados significativos
são na educação, que deverá a levar a um aumento do emprego de 1,38%. Este
valor tem que ser encarado com cepticismo porque resulta de um equívoco entre
nível de rendimento e taxa de crescimento desse rendimento.
Em termos de nível de rendimento, o nosso problema terá,
pelo menos, seis séculos, bastando citar a famosa carta de Bruges do infante D.
Pedro, onde se faziam muitas recomendações ao rei D. Duarte, seu irmão, para
imitar o que então se fazia na Europa.
Em termos de taxa de crescimento, temos tido períodos bons,
como entre 1960 e 1973 e entre 1986 e 2000 e outros péssimos, como desde 2000
até hoje. Ora nos períodos em que crescemos bem tínhamos níveis de formação
muito inferiores aos de hoje e nos últimos anos até temos feito grandes
progressos na redução do abandono escolar.
É evidente que investir na formação é bom, mas não se espere
que isso dê um contributo significativo para resolver o nosso grave problema de
competitividade preço.
[Publicado no jornal “i”]
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