segunda-feira, 23 de maio de 2016

Birras perigosas

A birra de António Costa de não apresentar um plano B orçamental está ao nível de perigosidade da birra de Sócrates de não pedir auxílio à troika

O recuo da ideologia tem levado ao aparecimento de, pelo menos, dois tipos de escolhas, como uma forma pobre de diferenciação política. Por um lado, a criação de um conjunto apreciável de medidas folclóricas, sem substância ideológica, como é o caso da luta do PS, desde 2011, com o IVA da restauração.

Por outro, há as birras ou rivalidades, ao nível da luta de galos. Neste segundo grupo, está a diabolização do FMI, levada a cabo por Sócrates, que trouxe elevados prejuízos ao país. Por ter diabolizado o FMI, o antigo primeiro-ministro adiou muito mais tempo do que seria sensato o pedido de ajuda externa, só o tendo feito quando o país já estava com a corda na garganta, sem qualquer poder negocial. Por isso, o nosso programa de ajustamento teve um caracter punitivo que deve ser assacado a Sócrates. Para além disso, ao ter pintado de negro um pedido de auxílio, transformou este numa derrota política muito mais severa do que se tivesse defendido que aquele decorria de fragilidades estruturais do país.

Neste momento, demonstrando mais uma vez que o PS não aprendeu nada com os seus erros passados, estamos a assistir a uma repetição deste filme, como num velho e decadente cinema de reprise, com a absurda teimosia de António Costa de não apresentar um plano B orçamental, apesar das exigências de Bruxelas.

De novo, tem que se salientar que foi o actual primeiro-ministro que, de forma totalmente imprudente, se encurralou na actual armadilha. A mera existência de um plano B não tem absolutamente nada de ideológico, decorre apenas do mais elementar sentido de prudência e bom senso. O conteúdo do plano B terá, certamente, uma tonalidade ideológica, sendo completamente diferente se for traçado por um governo de esquerda ou de direita, mas a existência do plano em si nada nos diz sobre as opções políticas, mas tão só sobre a qualidade da governação.

Mas António Costa assentou o orçamento de 2016 em duas fantasias: em primeiro lugar, o cenário macroeconómico, que não levou em linha de conta a desaceleração internacional em curso, nem os fortes danos que a sua política anti-empresarial teria sobre o investimento; em segundo lugar, ignorou os impactos negativos das suas medidas orçamentais, em particular o aumento do imposto sobre os combustíveis, que desviaram muitas receitas fiscais para Espanha.

Qualquer pessoa que não fosse destituída do maior elementar bom senso e do mais básico conhecimento de economia, sabia, à partida, que um plano B seria essencial. Talvez fosse difícil prever que apenas um mês e meio após a entrada em vigor do novo orçamento a Comissão Europeia (CE) já estaria a pedir um plano B, mas é totalmente óbvio que uma qualquer versão deste plano teria que ser disponibilizada – e aplicada – dentro de meses.

António Costa, por pura imprudência e irresponsabilidade, colocou-se na posição de recusar divulgar um plano B, mesmo agora que a CE ameaçou aplicar sanções em Julho.

É evidente que a CE não quer aplicar sanções, como já em 2002 evitou aplicá-las à França e Alemanha. Bruxelas teme, com razão, os resultados das eleições espanholas e o referendo inglês de Junho, onde o sentimento anti-europeu impera. No entanto, não pode aceitar a inacção do governo português.

A birra absurda de António Costa, como antes a birra de Sócrates, tem todas as condições de custar caríssimo ao país. Convém recordar que, antes das sanções de Bruxelas, é muito provável que cheguem as sanções dos mercados financeiros, com uma gravosa subida das taxas de juro.


[Publicado no jornal “i”]

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