Os últimos dias têm,
infelizmente, sido pródigos em episódios que revelam uma democracia ainda
frágil
1. O BE será provavelmente o partido com um eleitorado mais
volátil. Entre as eleições legislativas de 2009 e de 2011 conseguiu perder 48%
dos votantes, conseguindo quase recuperar a quase totalidade daqueles votos nas
últimas eleições.
Para além disso, é impossível dissociar a recuperação
eleitoral do BE em 2015 da alteração estrutural que se passou no partido, que
decidiu passar de um partido de protesto para um partido de governo.
Ou seja, os dirigentes do BE devem prestar atenção particular
a duas questões. Em primeiro lugar, é extremamente conveniente não assumirem o
seu sucesso eleitoral recente como algo de garantido, porque bastam algumas
asneiras para perderem metade dos votantes. Em segundo lugar, a sua recuperação
deve-se a terem deixado a atitude de mero protesto adolescente, para uma
atitude mais adulta, de querer contribuir para construir verdadeiras soluções,
pelo que um regresso ao modo anterior pode ser muito duramente penalizado.
Como já adivinharam, vem isto tudo a propósito do recente cartaz
do BE, sobre a adopção dos casais do mesmo sexo. O cartaz é de um mau gosto
atroz e tem uma mensagem ridícula.
Antes de mais, devo dizer que concordo genericamente com a
lei recém aprovada. Anteriormente, se um casal de (bons) pediatras se
candidatasse à adopção de uma criança, ficaria provavelmente num dos lugares
mais favoráveis, caso fosse heterossexual, mas ficaria impossibilitado de
concorrer se o casal fosse homossexual. Isto parece-me carecer de sentido. Que
haja discriminação na aplicação da lei, será talvez inevitável, agora que haja
discriminação na própria lei, sem conhecer as pessoas em concreto, as suas
competências emocionais em particular, isso parece-me uma violência.
Voltando ao cartaz do BE, pergunto quantos católicos que não
concordavam com a lei esperava este partido converter com este slogan tão
pateta? Julgo que a resposta só pode ser uma: zero. Em contrapartida, quantos
dos novos (ou recuperados) eleitores do BE é que este cartaz irritou, pela
absoluta falta de senso? Certamente mais do que zero. Para além do péssimo
negócio político, este cartaz revela também imaturidade democrática, pela falta
de respeito pelos sentimentos religiosos da maioria dos portugueses.
Em resumo, ou o BE ganha juízo, também em termos orçamentais,
ou arrisca-se a repetir o desastre eleitoral de 2011, em eleições que até nem
poderão estar assim tão longe.
2. O Henrique Raposo publicou recentemente o livro “Alentejo
prometido”, com chancela da Fundação Francisco Manuel dos Santos, anunciado
como “uma incursão ao Alentejo profundo, através das memórias e experiências
familiares do autor”, o que prenuncia já o tom e justifica grande liberdade de
escrita. Nele, o autor pronuncia-se sobre a naturalidade com que o suicídio é
aceite naquela região, sobre a violação de mulheres, comum no passado e mais
outros temas incómodos.
Para além disso, o Henrique esteve também num programa de
televisão, o que terá sido o mote para o disparate viral nas redes sociais, que
levou à queima de livros, uma petição para proibir a venda do livro (!), o
cancelamento do lançamento e posterior mudança de local, etc. Enfim, todo um
excesso, bem revelador da falta de amor à liberdade e de uma verdadeira
imaturidade democrática de que o país ainda padece.
O 25 de Abril já foi há 42 anos, já deveríamos ter atingido
a maioridade democrática mas, infelizmente, temos que constatar que ainda há
muito trabalho a fazer e, também, muitos silêncios de complacência com este
desvario que urge confrontar.
[Publicado no jornal “i”]
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