O governo desistiu do
que não devia e insiste no que não faz sentido
A proposta de orçamento para 2016 foi finalmente aprovada,
desta vez com os votos favoráveis do BE e do PCP, o que se saúda, porque seria
estranhíssimo que continuasse dependente da boa vontade do PSD.
Falta ainda a aprovação na especialidade, que poderá
conduzir a alterações de pormenor, mas é improvável que consiga corrigir alguns
dos erros mais graves deste documento.
O primeiríssimo, mais grave e incompreensível erro, é a
estratégia económica subjacente ao orçamento, a “promoção” do crescimento
económico pela via da procura interna, seguida pelos executivos socialistas
entre 1996 e 2011, com resultados catastróficos, de estagnação económica e
endividamento galopante. Será possível que ainda não tenham percebido o que nos
conduziu aos braços da troika e que
queiram repetir o desastre?
Passemos então a analisar algumas das principais medidas,
quer em termos da sua ideologia, quer em termos técnicos.
O primeiro grupo de que gostaria de falar é o das medidas
que são ideologicamente coerentes e tecnicamente correctas. Infelizmente, só
consegui identificar aqui a proposta de criar um escalão negativo no IRS que,
ainda por cima, o governo deixou cair, não se percebe porquê. Este escalão
aplicar-se-ia aos menores rendimentos, que passariam a receber um subsídio.
Em vez de aumentar o salário mínimo, que agrava os custos
das empresas e diminui a nossa competitividade, ainda muito frágil, esta
alteração no IRS permitiria aumentar o rendimento das famílias, sem aquelas
desvantagens. Aliás, o aumento do salário mínimo, sendo tecnicamente errado é,
pelo menos, ideologicamente coerente.
O mesmo não se passa com um conjunto de outras medidas que,
não só são tecnicamente erradas como ideologicamente incoerentes num executivo
de esquerda.
O mais difícil de perceber é a pressa em reverter os cortes
nas pensões e salários mais altos, financiados por impostos para por todos.
Porque é que os funcionários públicos que ganham mais de 4000€ por mês não
podiam esperar mais um ano até à reposição total dos rendimentos? Porque é que
são os mais pobres que têm que pagar esta pressa?
A descida no IVA da restauração também causa a maior das
perplexidades, como já aqui referi, porque não beneficia os consumidores, nem
os trabalhadores, mas apenas ajuda os empresários. O governo diz-se muito
empenhado na inovação e no conhecimento, mas o que é que os restaurantes têm a
ver com inovação e conhecimento? Porquê
o foco neste sector e não auxiliar todas as empresas?
A esquerda também costuma exibir um amor exagerado pelo
investimento público, mesmo quando este é absurdo, como as auto-estradas quase
sem tráfego e estádios de futebol. Assim sendo, porque é que o primeiro
orçamento de toda a esquerda reduz aquele tipo de investimento? Aqui, de novo,
estamos perante não só uma incoerência ideológica, mas também perante um erro
técnico, porque Portugal está com um nível preocupantemente baixo de
investimento e não faz sentido que seja o Estado a dar um mau exemplo.
Apesar de tudo isto, o verdadeiro teste deste orçamento será
a sua execução. Os valores de Janeiro foram favoráveis, beneficiando, de forma
algo perversa, da proposta orçamental ainda não aprovada. As receitas de
imposto sobre o tabaco foram excepcionalmente elevadas, porque houve um volume
elevado de compras por antecipação do aumento fiscal. Ou seja, quando for
colocado tabaco à venda com os novos preços é de esperar uma queda
significativa das vendas e da receita fiscal.
Ou muito me engano, ou o governo vai ter rapidamente que
accionar o plano B.
[Publicado no jornal “i”]
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