Este orçamento parece
mais uma teimosia contra o passado do que ideologicamente inspirado
É sabido que nos últimos anos tem havido um esbatimento nas
diferenças ideológicas dos partidos no centro do espectro político e Portugal
não tem escapado a essa evolução, tendo o PS e o PSD convergido para uma
atitude semelhante, partilhando eles, com aliás a generalidade dos outros
partidos políticos portugueses um apreço, que reputo de excessivo, pela
intervenção do Estado.
No entanto, o facto de o PS estar no governo com o apoio
parlamentar do BE e do PCP, partidos claramente radicais, deveria ajudar a que
se gerasse uma distinção ideológica muito mais clara com a governação anterior.
Infelizmente, não é isso que se passa. É verdade que as novas políticas são
diferentes das que as precederam, mas o que as separa não é uma genuína
diferenciação ideológica, mas antes diferenças que se explicam mais facilmente
pelo adolescente “espírito de contradição” e por um exacerbada atitude de
defesa dos interesses e privilégios corporativos e clientelares do grupo
minoritário do sector público contra a esmagadora maioria dos trabalhadores
mais pobres, que se encontra no sector privado.
Para além da incoerência ideológica das escolhas do novo
governo, há também um voluntarismo orçamental, que parece basear-se num
pensamento mágico, incapaz de convencer a Comissão Europeia (CE), as agências
de rating e os mercados financeiros,
onde as taxas de juro da dívida portuguesa estão a subir muito mais do que as
dos restantes Estados “periféricos”.
Como já aqui assinalei, a estratégia económica do executivo,
uma repetição do desastre ocorrido entre 1996 e 2011, que nos conduziu à troika, só pode trazer o que já trouxe
no passado: endividamento insustentável e estagnação económica.
Quando foi confrontado, pela CE, com a necessidade de rever
os pressupostos orçamentais, o governo persistiu numa incompreensível teimosia
de manter o ritmo de reversão de cortes nos rendimentos e pensões anteriormente
anunciado. Para manter intacta esta promessa, que beneficiava os portugueses de
maiores rendimentos, em particular no sector público, lançou um conjunto de
impostos sobre combustíveis, tabaco e outros, que afectam a generalidade da
população, em particular os mais pobres. Esta opção, que não foi – de maneira
nenhuma – imposta por Bruxelas, é ideologicamente incoerente com o que seria um
programa de esquerda, focado nos mais desfavorecidos. Para além disso, é também
incoerente com o objectivo (infeliz) do governo de estimular o consumo privado,
porque redistribuir rendimento dos mais pobres para os mais ricos irá diminuir
o consumo, porque estes têm menor propensão a consumir. Um trabalhador que
ganha o salário mínimo praticamente não tem margem nenhuma para poupar, o que
já não se passa com aqueles que ganham salários elevados.
Aliás, a opção de aumentar a despesa e compensar isso com
mais impostos é muito má, porque o nosso nível de ambos já é excessivo. Para
além de que impostos mais elevados sobre combustíveis e tabaco vão desviar ainda
mais compras para Espanha, impedindo o cumprimento das metas orçamentais.
A descida do IVA da restauração, afinal restringido às
comidas, porque o PS nunca tinha feito as contas de quanto custava, é outro
exemplo de teimosia incompreensível. O sector já disse que não baixaria os
preços, mas que talvez aumente o emprego. Mas se não diminui os preços, a
procura não subirá e não fará sentido aumentar o emprego. Ou seja, serão os
lucros dos empresários do sector a subir. Temos aqui uma medida que não beneficia
os consumidores, nem os trabalhadores, apenas ajuda os empresários e tanto mais
quanto mais ricos eles já forem. Qual é a lógica de ser um governo de esquerda
a tomar uma medida destas?
[Publicado no jornal “i”]
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