Os próximos meses
antecipam-se particularmente tensos e não é seguro que este governo lhes
consiga sobreviver
O governo tem gerido a questão orçamental de forma
extremamente deficiente, tendo-se embrulhado numa polémica estéril com a
apresentação de um “Esboço” de orçamento, que era obviamente inaceitável. Foi
obrigado a recuar em toda a linha, com a agravante – nada despicienda – de
deitar por terra muita da credibilidade que tinha sido recuperada nos quatro
anos anteriores, o que se traduziu num forte agravamento das taxas de juro.
Mas a atracção pelas guerrinhas sobre irrelevâncias
continua. Agora, é o debate absurdo sobre medidas adicionais e saber se devemos
discutir “quando” devem ser aplicadas ou “se” serão sequer necessárias. É
evidente que é altamente provável que elas venham a ser necessárias e já nos
próximos meses. Que interesse é que tem perder tempo com uma matéria que dentro
em breve deixará de ter qualquer razão de ser (a diferença entre o “quando” e o
“se”)?
Sobretudo porque caminhamos a passos largos para questões
conexas e muitíssimo mais importantes. É já em Abril que os governos nacionais da
zona do euro têm que apresentar dois documentos muito importantes: o programa
nacional de reformas e o programa orçamental de médio prazo, 2016-2020.
Entretanto, no contexto do chamado Semestre Europeu sobre a
economia e contas públicas, foram publicados esta semana os alertas europeus
sobre os vários países, em que Portugal continua a ocupar uma das posições de
maiores desequilíbrios macroeconómicos (elevadíssimas dívidas pública e
externa), o que significa que deverá ser objecto de uma vigilância
particularmente atenta.
Em Maio, a Comissão Europeia anunciará as recomendações
específicas para cada Estado Membro, que serão discutidas e aprovadas nos dois
meses seguintes.
Ou seja, é já no próximo mês que este governo terá que
apresentar as suas propostas de reformas, em que será forçado a recuar nas suas
tentativas de reverter reformas concretizadas durante a intervenção da troika. Antecipam-se fortes conflitos
dentro da coligação de esquerda, agravados pelas dissidências sobre a
trajectória do défice público até 2020, que terá necessariamente associado
novos pacotes de austeridade.
Para compor o ramalhete, será também no final de Abril que a
DBRS, a única agência de rating que
ainda nos permite ter acesso ao mercado, deverá publicar a actualização da
avaliação do risco de Portugal.
Espero bem que as propostas nacionais a apresentar nesse mês
não sejam a repetição do erro associado ao Esboço de orçamento, porque isso
elevaria grandemente a probabilidade de Portugal ver as portas dos mercados
fechadas.
O executivo de António Costa continuará, assim, entre dois
fogos, dum lado Bruxelas e as agências de rating
e, do outro, o BE e o PCP. Se a aprovação do orçamento para este ano foi muito
difícil e nem sequer se encontra já concluída, a aprovação de documentos de
médio prazo será muito mais difícil.
Teremos também um novo protagonista na Presidência da
República, que se antecipa muito mais dinâmico e não quererá certamente iniciar
o seu mandato com Portugal a perder acesso a financiamento externo e a ser
obrigado a voltar a chamar a troika.
Em resumo, os próximos meses antecipam-se particularmente
tensos e não é seguro que este governo lhes consiga sobreviver.
[Publicado no jornal “i”]
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