quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Sucesso ou fracasso

O indicador de sucesso ou fracasso do programa económico do governo será o saldo externo

Relembro que aquilo que nos forçou a pedir auxílio à troika foi o acumular de défices externos “excessivos”, que se traduziram numa explosão da dívida externa, de um nível insignificante em 1995 (8% do PIB) para um nível catastrófico, superior a 100% do PIB, a partir de 2009.

O maior sucesso no programa de ajustamento foi – justamente – na frente externa, em que conseguimos passar de défices elevadíssimos para superavits externos, uma evolução muito mais favorável do que o previsto.

O programa económico do governo socialista resume-se a repetir os anteriores programas do PS, de estímulo da procura interna, que se revelaram um extraordinário fracasso, gerando uma estagnação económica desde 2001, apesar de uma dívida externa em permanente crescimento. Na Grécia, um programa equivalente, apesar de também ter acumulado dívidas (pública e externa) elevadíssimas, ao menos conseguiu um crescimento considerável, ainda que parte deste tenha sido artificial.

Alguns socialistas têm argumentado que o novo programa governamental assenta numa combinação equilibrada de estímulo da procura e da oferta, que se traduzirá em crescimento económico, sem o retorno aos desequilíbrios externos.

Quando se olha para o perfil temporal da recuperação projectada pela equipa liderada pelo actual ministro das Finanças, parece extremamente difícil de acreditar em tal combinação. Mário Centeno estima um crescimento mais forte nos primeiros anos, que desacelera posteriormente. Ora, este perfil é exactamente o oposto do que se esperaria dum estímulo “equilibrado” da procura e da oferta. Como o estímulo da procura é rápido e o da oferta é lento, seria nos anos mais distantes em que se deveria esperar um crescimento superior, quando a acção sobre a oferta, sempre lenta, estaria a produzir o máximo de efeitos.

Um aumento da procura, quer através do aumento da despesa pública, quer através da redução dos impostos, deixa mais dinheiro nos bolsos das pessoas, que não hesitarão em passar imediatamente a gastar grande parte dele, sobretudo dado que têm vivido alguns anos de aperto. Já um estímulo da oferta é um processo sempre moroso, por se basear geralmente em reformas estruturais. Primeiro, é preciso identificar a área onde intervir, depois preparar a intervenção, em seguida iniciar a transformação. Em alguns casos só mesmo ao fim de vários anos é que se poderão começar a sentir efeitos e, mesmo assim, apenas parciais.

Por tudo isto, considero que o sucesso ou o fracasso do programa económico do PS deverá depender do que acontecer às contas externas. Se se conseguir crescimento económico sem agravar as contas externas, o PS estará de parabéns. Se o crescimento resultar num aumento das importações, no regresso aos défices externos e a um agravamento do endividamento externo, que nos conduziu aos braços da troika, estaremos perante um fracasso rotundo. 

Coloco apenas uma ressalva. É possível que o programa do PS tenha um duplo efeito. Por um lado, deverá estimular o consumo privado, através do orçamento. Mas, por outro, pode deprimir o investimento, pelo discurso e medidas contra a classe empresarial. É assim possível que não haja um agravamento do défice externo, se o investimento tiver uma queda significativa. Mas neste caso, também estaríamos perante um claro fracasso, porque o nosso nível de investimento já é preocupantemente baixo e diminui-lo ainda mais seria colocar em causa qualquer condição de recuperação económica a prazo.


[Publicado no jornal “i”]

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