O indicador de sucesso
ou fracasso do programa económico do governo será o saldo externo
Relembro que aquilo que nos forçou a pedir auxílio à troika foi o acumular de défices
externos “excessivos”, que se traduziram numa explosão da dívida externa, de um
nível insignificante em 1995 (8% do PIB) para um nível catastrófico, superior a
100% do PIB, a partir de 2009.
O maior sucesso no programa de ajustamento foi – justamente
– na frente externa, em que conseguimos passar de défices elevadíssimos para
superavits externos, uma evolução muito mais favorável do que o previsto.
O programa económico do governo socialista resume-se a
repetir os anteriores programas do PS, de estímulo da procura interna, que se
revelaram um extraordinário fracasso, gerando uma estagnação económica desde
2001, apesar de uma dívida externa em permanente crescimento. Na Grécia, um
programa equivalente, apesar de também ter acumulado dívidas (pública e
externa) elevadíssimas, ao menos conseguiu um crescimento considerável, ainda
que parte deste tenha sido artificial.
Alguns socialistas têm argumentado que o novo programa
governamental assenta numa combinação equilibrada de estímulo da procura e da
oferta, que se traduzirá em crescimento económico, sem o retorno aos
desequilíbrios externos.
Quando se olha para o perfil temporal da recuperação
projectada pela equipa liderada pelo actual ministro das Finanças, parece
extremamente difícil de acreditar em tal combinação. Mário Centeno estima um crescimento
mais forte nos primeiros anos, que desacelera posteriormente. Ora, este perfil
é exactamente o oposto do que se esperaria dum estímulo “equilibrado” da
procura e da oferta. Como o estímulo da procura é rápido e o da oferta é lento,
seria nos anos mais distantes em que se deveria esperar um crescimento
superior, quando a acção sobre a oferta, sempre lenta, estaria a produzir o
máximo de efeitos.
Um aumento da procura, quer através do aumento da despesa
pública, quer através da redução dos impostos, deixa mais dinheiro nos bolsos
das pessoas, que não hesitarão em passar imediatamente a gastar grande parte
dele, sobretudo dado que têm vivido alguns anos de aperto. Já um estímulo da
oferta é um processo sempre moroso, por se basear geralmente em reformas
estruturais. Primeiro, é preciso identificar a área onde intervir, depois
preparar a intervenção, em seguida iniciar a transformação. Em alguns casos só
mesmo ao fim de vários anos é que se poderão começar a sentir efeitos e, mesmo
assim, apenas parciais.
Por tudo isto, considero que o sucesso ou o fracasso do
programa económico do PS deverá depender do que acontecer às contas externas.
Se se conseguir crescimento económico sem agravar as contas externas, o PS
estará de parabéns. Se o crescimento resultar num aumento das importações, no
regresso aos défices externos e a um agravamento do endividamento externo, que
nos conduziu aos braços da troika,
estaremos perante um fracasso rotundo.
Coloco apenas uma ressalva. É possível que o programa do PS
tenha um duplo efeito. Por um lado, deverá estimular o consumo privado, através
do orçamento. Mas, por outro, pode deprimir o investimento, pelo discurso e
medidas contra a classe empresarial. É assim possível que não haja um
agravamento do défice externo, se o investimento tiver uma queda significativa.
Mas neste caso, também estaríamos perante um claro fracasso, porque o nosso
nível de investimento já é preocupantemente baixo e diminui-lo ainda mais seria
colocar em causa qualquer condição de recuperação económica a prazo.
[Publicado no jornal “i”]
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