A Comissão Europeia deveria
agora pressionar a Alemanha a estimular a zona do euro
Começo este texto por agradecer ao Pedro Romano, o seu texto
no blog desviocolossal.wordpress.com, “A comissão converte-se”, que serve de
mote para o que se segue, para além das ideias que aproveitarei.
No início da crise do euro, pensou-se que os problemas que
os diferentes países tinham decorriam de excessos orçamentais, tendo a
correcção dos défices públicos ganho uma extraordinária atenção desde então.
No entanto, algum tempo depois, surgiu uma outra
interpretação da crise, que identificava como foco de infecção as contas
externas, que explicava muito melhor porque é que países com dívidas públicas
muito elevadas, tais como a Bélgica e a Itália, não sofreram tanto como países
como Portugal.
Para além disso, também os excessos bancários foram
identificados como um problema de algum modo autónomo, em particular nos casos
da Irlanda, Chipre e Espanha, que se mantêm como causa significativa de
dificuldades nestes países.
Ao longo dos anos, o relevo dado às contas externas passou
de interpretação “alternativa”, para “interpretação consensual”. Agora, no seu
último relatório trimestral sobre a zona do euro (Jan-16), a própria Comissão
Europeia reconhece a validade desta leitura:
“Uma narrativa alargada está agora a emergir da literatura
económica sobre as causas da crise da dívida na zona do euro e das assimetrias
na transmissão da crise financeira global. Esta narrativa, que é relativamente
consensual entre os economistas académicos se
não entre os políticos, envolve tanto vulnerabilidades específicas de
países como amplificadores de choques comuns próprios da área do euro. (…) Em
particular, a exposição externa (…) está fortemente correlacionada com os
choques cíclicos sofridos pelos Estados Membros” (p. 10, minha tradução e
negrito).
Saúdo especialmente esta conversão da Comissão, dado que os
desequilíbrios externos dentro do euro sempre me preocuparam, como tive
oportunidade de chamar a atenção no artigo “Défice e endividamento externos”,
publicado na revista Economia Pura, dez
anos antes de sermos forçados a pedir ajuda à troika, e quando Constâncio andava com a conversa – tão danosa! –
de que Portugal era como o Mississípi nos EUA.
No entanto, sublinho também a parte que coloquei em negrito,
que indica que esta conversão não é generalizada, com particular destaque para
a Alemanha, que sempre insistiu no problema das contas públicas, com uma ênfase
mais moral do que técnica, muito certamente decorrente do facto de na língua
germânica a palavra que designa “dívida” ser a mesma da que designa “culpa”
(Schuld).
Esta errada visão alemã tem constituído um poderoso travão à
recuperação económica da zona do euro. A Alemanha possui uma claríssima margem
para estímulos orçamentais, quanto mais não seja pelas taxas de juro negativas
(em termos reais) a que se consegue financiar. Mas não o faz, porque encara
isso como “imoral”, porque conduziria, temporariamente, a uma dívida maior.
Por isso, aguardam-se as consequências da conversão da
Comissão, nomeadamente começar a fazer pressão sobre a Alemanha para reduzir os
seus superavits externos, que muito prejudicam os países do Sul e impedem uma
maior depreciação do euro. O próprio BCE se poderia juntar a esta pressão,
porque um euro mais fraco estimularia a economia e facilitaria o cumprimento
das metas de inflação que há muito não são cumpridas.
PS. O Tribunal Constitucional voltou a decidir de forma
vergonhosa, com a grande vantagem de a esquerda ter perdido o respeito por esta
instituição, que talvez não seja reformável.
[Publicado no jornal “i”]
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