Minha participação, com Nuno Garoupa e Bernardo Pires de Lima, no programa "Decisão Nacional", da RTP Internacional, um pouco atrasado.
http://www.rtp.pt/play/p2119/decisao-nacional
sexta-feira, 22 de janeiro de 2016
Conversão da Comissão Europeia
A Comissão Europeia deveria
agora pressionar a Alemanha a estimular a zona do euro
Começo este texto por agradecer ao Pedro Romano, o seu texto
no blog desviocolossal.wordpress.com, “A comissão converte-se”, que serve de
mote para o que se segue, para além das ideias que aproveitarei.
No início da crise do euro, pensou-se que os problemas que
os diferentes países tinham decorriam de excessos orçamentais, tendo a
correcção dos défices públicos ganho uma extraordinária atenção desde então.
No entanto, algum tempo depois, surgiu uma outra
interpretação da crise, que identificava como foco de infecção as contas
externas, que explicava muito melhor porque é que países com dívidas públicas
muito elevadas, tais como a Bélgica e a Itália, não sofreram tanto como países
como Portugal.
Para além disso, também os excessos bancários foram
identificados como um problema de algum modo autónomo, em particular nos casos
da Irlanda, Chipre e Espanha, que se mantêm como causa significativa de
dificuldades nestes países.
Ao longo dos anos, o relevo dado às contas externas passou
de interpretação “alternativa”, para “interpretação consensual”. Agora, no seu
último relatório trimestral sobre a zona do euro (Jan-16), a própria Comissão
Europeia reconhece a validade desta leitura:
“Uma narrativa alargada está agora a emergir da literatura
económica sobre as causas da crise da dívida na zona do euro e das assimetrias
na transmissão da crise financeira global. Esta narrativa, que é relativamente
consensual entre os economistas académicos se
não entre os políticos, envolve tanto vulnerabilidades específicas de
países como amplificadores de choques comuns próprios da área do euro. (…) Em
particular, a exposição externa (…) está fortemente correlacionada com os
choques cíclicos sofridos pelos Estados Membros” (p. 10, minha tradução e
negrito).
Saúdo especialmente esta conversão da Comissão, dado que os
desequilíbrios externos dentro do euro sempre me preocuparam, como tive
oportunidade de chamar a atenção no artigo “Défice e endividamento externos”,
publicado na revista Economia Pura, dez
anos antes de sermos forçados a pedir ajuda à troika, e quando Constâncio andava com a conversa – tão danosa! –
de que Portugal era como o Mississípi nos EUA.
No entanto, sublinho também a parte que coloquei em negrito,
que indica que esta conversão não é generalizada, com particular destaque para
a Alemanha, que sempre insistiu no problema das contas públicas, com uma ênfase
mais moral do que técnica, muito certamente decorrente do facto de na língua
germânica a palavra que designa “dívida” ser a mesma da que designa “culpa”
(Schuld).
Esta errada visão alemã tem constituído um poderoso travão à
recuperação económica da zona do euro. A Alemanha possui uma claríssima margem
para estímulos orçamentais, quanto mais não seja pelas taxas de juro negativas
(em termos reais) a que se consegue financiar. Mas não o faz, porque encara
isso como “imoral”, porque conduziria, temporariamente, a uma dívida maior.
Por isso, aguardam-se as consequências da conversão da
Comissão, nomeadamente começar a fazer pressão sobre a Alemanha para reduzir os
seus superavits externos, que muito prejudicam os países do Sul e impedem uma
maior depreciação do euro. O próprio BCE se poderia juntar a esta pressão,
porque um euro mais fraco estimularia a economia e facilitaria o cumprimento
das metas de inflação que há muito não são cumpridas.
PS. O Tribunal Constitucional voltou a decidir de forma
vergonhosa, com a grande vantagem de a esquerda ter perdido o respeito por esta
instituição, que talvez não seja reformável.
[Publicado no jornal “i”]
sábado, 16 de janeiro de 2016
Reforma da Administração Pública
A sociedade civil tem
um papel relevante a desempenhar na reforma do Estado
Saiu no Público de
8 de Janeiro passado, o texto “Reformar a Administração Pública”, assinado por Fernando
Bello, Francisco Seixas da Costa, João Costa Pinto, João Ferreira do Amaral, João
Salgueiro, José Manuel Félix Ribeiro e Miguel Lobo Antunes, fruto de reflexões
que este grupo vem fazendo sobre este e outros temas.
Em primeiro lugar, é de louvar o esforço da “sociedade
civil” em reflectir sobre o país, o que parece escassear em outros locais onde
esta reflexão deveria ser obrigatória, como os partidos políticos e as universidades.
Em segundo lugar, correndo o risco de errar, fiquei com a
sensação que a divulgação deste contributo sobre a reforma da Administração
Pública (AP) foi muito reduzida e o seu impacto, infelizmente, mínimo.
Como considero que aquele texto é um bom ponto de partida,
embora ainda demasiado genérico, dou aqui algumas achegas ao tema, ainda no
domínio da generalidade.
Reproduzo o início do ponto 2 daquele texto: “Se há tantos
anos se fala em reformar a AP, porque não se põe em prática? Será que é possível
fazê-lo?”
Pergunto eu: porque é que as reformas não têm ido avante
e/ou não têm sido suficientemente profundas e eficazes? Em particular, porque
que é que a proposta de reforma apresentada pelo XIX governo foi tão tardia e
fraca (para não lhe chamar outros nomes, que bem merecia)? Este governo não só
parecia imbuído de espírito reformador, como estava obrigado, por pressão
externa, a fazê-lo, o que poderia servir de pretexto para ir bem longe.
Portugal tinha estado na iminência da bancarrota e o governo recém eleito tinha
também legitimidade para desencadear mudanças profundas.
O primeiro problema, encadeado no segundo (o medo de
reformar), é que os partidos na oposição não se preparam verdadeiramente para
governar, não havendo um governo sombra, de ministros-sombra que se vão
inteirando dos problemas e iniciam atempadamente o que irão fazer quando
fizerem parte de um novo executivo. Ao perder dois anos preciosos, o governo de
Passos Coelho terá perdido o tempo certo para encetar uma verdadeira reforma da
AP.
O segundo problema, bem mais grave, considero que seja o
medo de reformar. E porquê este medo? Mais uma vez, sem ter a certeza de estar
certo, imagino que este temor esteja associado à dificuldade em alterar as
condições dos funcionários públicos e o medo dos sindicatos do sector público,
quase os únicos com poder em Portugal.
Antes de mais, tal como em outros casos, parece-me que estes
sindicatos estão mais preocupados em defender uma agenda político-partidária,
do que em defender os verdadeiros interesses dos trabalhadores, sendo, em
última análise, fracos representantes destes.
Por tudo isto, parece-me essencial envolver estes sindicatos
em qualquer tipo de reforma da AP, prevendo dois tipos de resultados, extremos,
para simplificar. Na melhor das hipóteses, poderemos descobrir que estes
sindicatos não são tão contrários a uma reforma da AP, sobretudo se forem
levados a bem.
Na pior das hipóteses, estes sindicatos poderão revelar-se
completamente reaccionários e imobilistas. Neste caso, mesmo assim, não há
razões para desesperar. Se, perante propostas de mudanças de elevada qualidade
e obviamente boas para a generalidade dos portugueses, os sindicatos ficariam
perante uma forte possibilidade de perda de poder. A oposição dos sindicatos a
mudanças consensuais e altamente elogiadas pela generalidade da população
deveriam levar a uma forte diminuição da sua aceitação e a uma clara diminuição
do seu poder reivindicativo. Os sindicatos que se rebelassem contra estas
reformas pagariam um elevado preço por isso, o que poderá constituir um
poderoso travão a que o venham a fazer.
[Publicado no jornal “i”]
quinta-feira, 14 de janeiro de 2016
Sucesso ou fracasso
O indicador de sucesso
ou fracasso do programa económico do governo será o saldo externo
Relembro que aquilo que nos forçou a pedir auxílio à troika foi o acumular de défices
externos “excessivos”, que se traduziram numa explosão da dívida externa, de um
nível insignificante em 1995 (8% do PIB) para um nível catastrófico, superior a
100% do PIB, a partir de 2009.
O maior sucesso no programa de ajustamento foi – justamente
– na frente externa, em que conseguimos passar de défices elevadíssimos para
superavits externos, uma evolução muito mais favorável do que o previsto.
O programa económico do governo socialista resume-se a
repetir os anteriores programas do PS, de estímulo da procura interna, que se
revelaram um extraordinário fracasso, gerando uma estagnação económica desde
2001, apesar de uma dívida externa em permanente crescimento. Na Grécia, um
programa equivalente, apesar de também ter acumulado dívidas (pública e
externa) elevadíssimas, ao menos conseguiu um crescimento considerável, ainda
que parte deste tenha sido artificial.
Alguns socialistas têm argumentado que o novo programa
governamental assenta numa combinação equilibrada de estímulo da procura e da
oferta, que se traduzirá em crescimento económico, sem o retorno aos
desequilíbrios externos.
Quando se olha para o perfil temporal da recuperação
projectada pela equipa liderada pelo actual ministro das Finanças, parece
extremamente difícil de acreditar em tal combinação. Mário Centeno estima um crescimento
mais forte nos primeiros anos, que desacelera posteriormente. Ora, este perfil
é exactamente o oposto do que se esperaria dum estímulo “equilibrado” da
procura e da oferta. Como o estímulo da procura é rápido e o da oferta é lento,
seria nos anos mais distantes em que se deveria esperar um crescimento
superior, quando a acção sobre a oferta, sempre lenta, estaria a produzir o
máximo de efeitos.
Um aumento da procura, quer através do aumento da despesa
pública, quer através da redução dos impostos, deixa mais dinheiro nos bolsos
das pessoas, que não hesitarão em passar imediatamente a gastar grande parte
dele, sobretudo dado que têm vivido alguns anos de aperto. Já um estímulo da
oferta é um processo sempre moroso, por se basear geralmente em reformas
estruturais. Primeiro, é preciso identificar a área onde intervir, depois
preparar a intervenção, em seguida iniciar a transformação. Em alguns casos só
mesmo ao fim de vários anos é que se poderão começar a sentir efeitos e, mesmo
assim, apenas parciais.
Por tudo isto, considero que o sucesso ou o fracasso do
programa económico do PS deverá depender do que acontecer às contas externas.
Se se conseguir crescimento económico sem agravar as contas externas, o PS
estará de parabéns. Se o crescimento resultar num aumento das importações, no
regresso aos défices externos e a um agravamento do endividamento externo, que
nos conduziu aos braços da troika,
estaremos perante um fracasso rotundo.
Coloco apenas uma ressalva. É possível que o programa do PS
tenha um duplo efeito. Por um lado, deverá estimular o consumo privado, através
do orçamento. Mas, por outro, pode deprimir o investimento, pelo discurso e
medidas contra a classe empresarial. É assim possível que não haja um
agravamento do défice externo, se o investimento tiver uma queda significativa.
Mas neste caso, também estaríamos perante um claro fracasso, porque o nosso
nível de investimento já é preocupantemente baixo e diminui-lo ainda mais seria
colocar em causa qualquer condição de recuperação económica a prazo.
[Publicado no jornal “i”]
sexta-feira, 1 de janeiro de 2016
2016
Espera-se um ano
turbulento, quer em termos políticos, quer económicos, quer na perspectiva
internacional, quer nacional
As nuvens sobre 2016 têm-se vindo a adensar nas últimas
semanas. Em termos de política internacional, a novidade foram as eleições
espanholas, que quebraram a tradição das últimas décadas, em que havia sempre
um resultado conclusivo, que permitia a formação de governos muito estáveis, ao
contrário, diga-se de passagem, do caso português. Não é ainda claro que se
consiga criar uma coligação de governo, provavelmente de esquerda, e menos
ainda incerto que a solução que venha a ser encontrada seja estável.
A criação sucessiva de executivos de esquerda na Europa do
Sul (França, Itália, Grécia, Portugal e Espanha), com orientação
anti-austeridade, deverá criar confrontos com o Norte da Europa. Na melhor das
hipóteses, isso permitiria ajudar a criar novas soluções para a zona do euro,
que permitissem conferir maior estabilidade a uma área monetária muito longe de
ser óptima.
Parece-me que seria extremamente útil que a estabilidade
macroeconómica do conjunto dos países do euro passasse a ser encarada com muito
mais prioritária, com maior empenho na redução do desemprego e dos
desequilíbrios externos.
Em particular, julgo da maior importância que os países do
Sul exercessem pressão para que os países do Norte reduzissem os seus
excedentes externos, particularmente gritantes no caso da Alemanha (7% do PIB
em 2015 e o maior do mundo, em termos absolutos). Se tal pressão surtisse
efeito, isso poderia beneficiar os países do Sul, duplamente. Por um lado, pelo
estímulo da procura interna de toda a zona do euro e, por outro, pela
consequente tendência de depreciação do euro, que melhoraria a competitividade
das nossas economias, contribuindo também para um maior crescimento económico e
melhoria das contas públicas, aliviando naturalmente a necessidade de mais
austeridade.
Infelizmente, parece-me que iremos assistir à pior das
hipóteses: os governos socialistas deverão insistir no maior egoísmo e na fuga
às responsabilidades. Por um lado, em vez de contribuírem para a criação de uma
solução colectiva, deverão fixar-se unicamente nos interesses nacionais. Por
outro, em vez de se concentrarem nos problemas económicos domésticos
estruturais, deverão continuar a esperar a ajuda externa e o financiamento externo,
quase sem perguntas, acreditando mais no Pai Natal do que uma criança de sete
anos.
Em termos económicos internacionais, o FMI voltou a avisar
sobre a deterioração das perspectivas e temo que a procissão ainda nem tenha
saído da igreja.
Em termos políticos nacionais, já se percebeu a fragilidade
da coligação que suporta o executivo minoritário do PS na votação do orçamento
rectificativo de 2015. O PSD ajudou a superar o problema, mas é menos claro que
se preste a um papel idêntico no caso do orçamento para 2016. Mesmo que este
seja aprovado, muito pouco tempo depois começará o Semestre Europeu, uma
espécie de visto prévio sobre as contas públicas, abrangendo já as linhas
mestras da proposta orçamental para 2017. Ou seja, não haverá tréguas em relação
às contas públicas, o que deverá colocar em permanente desgaste a instável base
de apoio do executivo minoritário.
Em termos económicos nacionais, a conjuntura externa em
deterioração, conjugada com as decisões do governo, nomeadamente a reversão da
privatização da TAP bem como uma subida do salário mínimo sem acordo na
Concertação Social, uma situação provavelmente inédita, deverão arrefecer a
economia e aumentar o desemprego.
A isto tudo deveremos acrescentar as surpresas completamente
inesperadas que sempre ocorrem, para concluirmos que temos um ano cheio de
desafios pela frente.
[Publicado no jornal “i”]
Subscrever:
Mensagens (Atom)