Muitos investidores em
muitos países aguardam pela subida de taxas de juro nos EUA, a primeira desde o
início da crise do subprime
Com o desencadear da crise do subprime, a partir de Agosto de 2007, a Reserva Federal dos EUA
desceu sucessivamente as suas taxas de referência, tendo no final de 2008 sido
fixadas no nível a que ainda hoje estão, entre 0% e 0,25%, sem precedente
histórico. Esgotado este instrumento de reanimação da economia, o banco central
americano viu-se forçado a recorrer a medidas não convencionais, de “expansão
quantitativa”, em três pacotes sucessivos.
Com a recuperação subsequente da economia americana, o Fed
começou a diminuir o montante de compras mensais de títulos que vinha
realizando, como parte das tais medidas convencionais, cujo mero anúncio,
alguns meses antes, provocou bastantes solavancos nos mercados financeiros. A
segunda etapa ocorreu no final de Outubro de 2014, com a interrupção de
quaisquer compras adicionais de títulos.
Estamos agora na terceira etapa, esperada com grande
ansiedade e incerteza, em que a Reserva Federal deverá finalmente voltar a
medidas convencionais, subindo a sua taxa de juro de referência do mínimo
histórico em que se encontra.
Antes de prosseguir, gostava só de contrastar a experiência
dos EUA com a da zona do euro. Naquele país, o banco central agiu com grande
agilidade e criatividade, com nítidos sucessos económicos, tendo o PIB já
recuperado totalmente da recessão e o desemprego já descido para pouco mais de
5%.
Já na zona do euro, o BCE não podia ter sido mais lento a
descer as taxas de juro, tendo tido duas falsas partidas, uma em 2008 e outra
em 2011, quando as subiu, como se a economia já estivesse a recuperar. Só em
2013 é que baixou as taxas para os níveis em que já estavam no final de 2008
nos EUA, tendo realizado mais umas descidas cosméticas em 2014. Quanto à
“expansão quantitativa”, o BCE também se atrasou, tendo tido um programa
inicial em 2009 e um mais alargado, só no início de 2015. Não surpreende, assim,
que os resultados económicos europeus sejam claramente inferiores aos
americanos, em que o PIB da zona do euro ainda não voltou aos níveis anteriores
à crise e o desemprego, apesar de estar a descer, se mantêm ainda nos 11%,
claramente acima dos 7% registados no início da crise.
Pode-se dizer que o mandato do BCE, unicamente sobre a
inflação, é mais restrito do que o da Reserva Federal, quer sobre a inflação
quer sobre o desemprego, pelo que não se deve comparar directamente os
resultados económicos que, para além disso, dependem também de outros factores,
como a subsequente e específica crise do euro. No entanto, não deixa de ser
extremamente curioso constatar que, havendo nos EUA dois objectivos
potencialmente em conflito, os valores alcançados hoje estão muito mais
próximos das metas, do que acontece no caso do BCE, que só tem uma meta.
Regressando agora a um dos maiores suspenses americanos,
sobre a data e a trajectória de subida das taxas de juro de referência, pode-se
aceitar que os dados económicos se têm apresentado com alguma ambivalência, com
o desemprego numa clara trajectória descendente, mas sem qualquer sinal de
aceleração de preços nem salários.
Infelizmente, parece-me que esta discussão, nos próprios
EUA, está muito inquinada por condicionamentos ideológicos, que podem impedir a
tomada da melhor decisão.
No entanto, entendo que existe uma brutal e esclarecedora assimetria
entre correr o risco de subir as taxas tarde demais ou cedo demais. Se se
incorrer no erro do atraso, a consequência será uma inflação um pouco acima dos
2% de referência, um problema insignificante, para o qual existe um
instrumento, que é a subida das taxas de juro, para o qual não há limite.
Já o erro da antecipação pode fazer soçobrar a economia
americana, arrastando muitas outras consigo, e o instrumento disponível ficaria
com uma margem mínima. Enquanto o primeiro erro é insignificante e fácil de
resolver, o segundo é grave e de difícil resolução. A escolha deveria ser
óbvia, mas veremos o que se passará nos próximos tempos, em que da China também
já chegam nuvens ao horizonte.
[Publicado no jornal “i”]
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